Uma Redação para minha mãe. PREGADOR DE ROUPA E OUTRAS LEMBRANÇAS (ou do lugar onde as coisas nunca desaparecem)
O cesto de roupa para estender
me recorda o cesto de palavras sem função nenhuma,
agora que palavra não tem sentido além dos caracteres das teclas:
delete e reset.
Ainda assim teimo em escrever o que o resquício da memória risca frequentemente em minha sala cardíaca.
Agora mesmo (neste instante) um simples pregador me trouxe a cena corriqueira de minha mãe a estender roupas no varal grudado à parede da casa que fica no quintal. Ali onde as coisas nunca desaparecem, uma cena atrás da outra ficou filmada na memória do meu coração.
Nunca entendi porque ela lava roupa todos os dias durante os 364 dias do ano. (salvo na Sexta-feira Santa). Ainda assim, sempre colocou os panos de prato de molho na “Quiboa” (líxívia ou cândida, em Portugal e Luanda).
O pregador era um jeito de ela nos fazer ajudá-la a estender as roupas: “Traz os pregadores pra mim”. Quando não, ela gritava do quintal: “Uuu traz os pregadooor!”.
Interessante como um simples objeto e tão precariamente importante,
trouxe a história de uma vida inteira.
Não lembro de um só dia em que minha mãe não estivesse à beira da pia de lavar pratos ou de lavar roupas. E sempre, sempre à beira do fogão.
Variando entre os conselhos e os banhos: pondo a mesa e tirando. Abrindo e fechando a máquina de costura para consertar alguma roupa ou costurar colcha de taco, além de conceber bainha de calça.
Todas as tarefas realizadas repetidamente durante a vida inteira. O pregador foi um pretexto. A partir dele vi o cafezinho no copo cica a ser servido muito fresquinho para meu pai, em sua cadeira predileta no fundo da casa.
O fundo da casa é a área onde ficam as pias e o fogão. O armário de coisas de cozinha e a janela maior (aquela que se tapava com tábua no início da construção da casa).
Esse cômodo da casa é onde as maiores cenas de nossa vida aconteceram e acontecem. Para além de reunir os filhos em todos os almoços e jantares, esse espaço sempre foi o local de reunião, o consultório de terapia de minha mãe para atendimento às amigas e, mais tarde, das filhas e filho. Depois dos netos.
O pregador me trouxe a imagem de minha mãe muito jovem "solicitando" que todos fossemos pegar a roupa no varal, quando a chuva lhe pegava de surpresa.
Lembrei de um dia em particular, quando rasguei uma camisa da escola (e não sabia como contar). Mas ela viu antes de qualquer atitude minha.
Eita… meu sangue esfriou.
Não sei se minha cara desesperada fez com que ela arrancasse a camisa de minha mão e me desse um pequeno auxílio para entrar em casa (um empurrãozinho…), ou se foi mesmo a chuva que, começando a cair torrencialmente, fez-lhe deixar esse episódio como coisa inferior.
Final das contas: a camisa que havia rasgado na hora da colheita, era minha. Lembro-me dela falando enquanto remendava a blusa (com um pequeno riso de canto de boca): “Ainda bem que a camisa da Escola era sua mesmo”. E arrematou com a célebre frase: “Vocês me dão trabalho viu, Ave Maria…”
Sorri sozinha aqui, na área de casa, há uns minutos atrás.
Luanda, 18 de Agosto de 2020.
Solineide Maria-Sol de Maria (Duduzinha). Filha de Dona Regina e Mestre Louro.