Vozes
Não é qualquer um que tem voz de locutor de rádio FM dos anos 80. Os locutores de supermercado não têm a devida atenção, até sapecarem uma “promoção relâmpago” do sabão em pó que “lava mais branco”. Gênios (incompreendidos) no domínio da voz, subaproveitados, escondidos no corredor de produtos de limpeza, de um mercadinho de periferia. Como vivem, do que se alimentam, como se reproduzem? Enfim, como sobrevivem com um pagamento que não deve ser grande coisa? Acredito que não fiquem só entre iogurtes e sabonetes. Eles anunciam promoções relâmpago em lojas de roupa, ou onde houver uma oferta de última hora.
Falando de lojas de roupa, muito comuns no Brás e na 25 de Março, o velho locutor é, também, segurança. Aquela voz, martelando a cabeça, que fica tagarelando, vindo não sei de onde, na verdade encontra-se, em cima de uma escadinha, em frente ao estabelecimento comercial. O auge é a “promoção relâmpago” (sim, olha ela, novamente). Quando anuncia-se isso, uma funcionária abastece a banquinha, e sai correndo, a fim de preservar sua vida. As clientes (geralmente mulheres) amontoam-se ao redor da banquinha e devoram, como saúvas, o que ali é depositado. Afinal, independentemente do que seja, se é da “promoção relâmpago”, só pode estar barato. E o orgulho de conseguir a mercadoria não tem preço.
Como não lembrar do grunhido, digo, da voz do “Caminhão da Cândida”. O próprio dono da “empresa”, que tinha, eu calculo, uns 130 anos, anunciava e conduzia o veículo (muito velho). O caminhão (incrível como aquilo andava) era carregado com tanto produto químico, que uma faísca explodiria o quarteirão. Quanto à voz: era ininteligível, somente as donas-de-casa pareciam captar aquela frequência de som. Aquela coisa toda era simpática, apesar do “duplo twist carpado” nos impostos.
A pessoa que conduz o trem do Metrô, apesar de não ser um profissional da voz, também tem a atribuição de anunciar as estações, entre outras coisas. Geralmente, sua voz é inaudível ou indecifrável. No fim, você acabava tendo que ver ou perguntar em que estação estava. Certa vez, ouvi uma bela voz feminina anunciando a próxima estação. Tratava-se de uma mulher “empoderada” movimentando aquela máquina. Meu pensamento materializou aquela voz, imaginei até a cor do cabelo. Mas aquele balãozinho de imaginação (típico de gibi) estourou quando surgiu uma horrível voz masculina, dando bronca: “Não impeça o fechamento das portas, isso atrasa a viagem”. A locução feminina era uma gravação.
Eu poderia contemplar, com esta pequena homenagem, o tiozinho da Pamonha de Piracicaba. Mas eu desvendei a farsa: aquele brilhante texto e a vozinha caipira são a gravação do que roda o Brasil inteiro (eu bem notei a onipresença dessa fala) e eu já vi Pamonha de Piracicaba fabricada em Osasco, Diadema etc. A origem é um embuste, o único elemento legítimo é o carro “véio”.
No comércio popular, quando surge uma irritante microfonia, logo em seguida vem uma imperdível promoção.