Amigos do Passado
Parece que todo mundo que faz faculdade, em geral, em outra cidade, mora em república e estuda em período integral (tem que ser tudo isso, senão não é a mesma coisa), em algum momento no futuro sente necessidade de reencontrar aqueles conhecidos de então. O interessante é que muitas vezes a maioria desses conhecidos tinha pouco ou nenhum valor para o fulano na época da escola. Eram conhecidos e nada mais. No entanto, pelo simples fato de terem compartilhado aquele período, esse sim, especial, essas pessoas se tornaram especiais e mereciam ser reencontradas.
O tempo de faculdade é sempre lembrado com nostalgia. É nele que aprendemos a nos conhecer, a nos virar, a nos posicionar frente aos outros e à realidade. É quando ganhamos autoconfiança, um certo orgulho de poder andar sozinho, e principalmente um tanto de liberdade antes impensada. Compartilhamos com amigos, estranhos, conhecidos e desconhecidos, momentos de cultura, lazer, política e amadurecimento. Comparado ao que tínhamos vivido até então, isso é bastante. É natural, então, que esses momentos marquem indelevelmente nossa memória. A ponto de embaçá-la bastante também.
Não há como negar um certo romantismo nisso tudo. A bem da verdade, qualquer época pode ser descrita com carinho, importância, nostalgia, etc., e logo mereceria ser revivida sempre. E não é assim. Tenho para mim que outros fatores contribuem para que, após algumas décadas, voltemos a dar muita importância para essa época e às pessoas de então.
Logo após a saída da faculdade, a euforia e mesmo a preocupação com a nova vida profissional são muito maiores do que a eventual tristeza em deixar para trás as pessoas, a escola e eventualmente aquela cidade. Passam-se muito tempo e muitos acontecimentos certamente mais importantes ainda até que, de repente, surge essa necessidade de ressuscitar os antigos companheiros. Aí é que está o X. Esses companheiros podem ser apenas o instrumento pelo qual é possível recuperar antigos sentimentos que marcaram nossa juventude. Cá pra nós, aos 50, não sentimos com a mesma intensidade de antes, não ansiamos com a mesma força, e a lembrança de como pequenas coisas e conquistas nos faziam felizes nos faz querer reviver aquele tempo.
Como será que está fulana? Como tem sido a vida profissional de beltrano? Será que esse tipo de coisa me interessa porque gosto e me importo com essas pessoas? Essas mesmas de quem eu me esqueci por décadas? O que acharão de mim? Será que fico entre as melhores ou piores? Se eu não estiver bem, será que vou querer esse reencontro, ou só faço isso para mostrar o quanto o tempo foi generoso comigo?
Acho que exagero, pois meus (poucos) reencontros com (poucos de) meus colegas de curso foram bem divertidos. Não éramos necessariamente amigos (eu tinha uma outra turma de amigos, da república), mas a gente se divertia bastante. E os reencontros foram tão descontraídos quanto era nossa convivência. De vez em quando ainda nos falamos e eu acho isso bom. Já meus outros amigos dessa época, mais amigos então, e mais distantes hoje, não os reencontrei ainda – passaram-se 35 anos já. Desse eventual reencontro, não sei o que esperar, Como éramos mais íntimos, mais diferenças descobrimos durante o convívio, e a separação não foi assim tão dolorosa. Mas seria bom saber o que restou, passado tanto tempo.
De modo semelhante, como saí de minha cidade aos 17 anos, e nunca mais voltei a viver lá, por volta dos 50 quis rever meus amigos de infância e adolescência. Muitos deles vivem na mesma cidade, tendo voltado a ela depois da faculdade. Com esses amigos vivi intensamente. Cidade pequena, facilidade para os encontros, reuniões ingênuas, paixões sofridas, namoricos breves. Tinha e tenho muita saudade desse tempo e tomei a iniciativa do reencontro com vários desses amigos. Foi um turbilhão de emoções de toda natureza. Primeiro, a ansiedade, a expectativa, a necessidade de estar bem, bonita, feliz. Depois, a surpresa ao rever as pessoas, quer seja por parecerem as mesmas de antes, quer seja por estarem tão mudadas. E, finalmente, pelo vazio sentido quando percebi, quando tudo acabou, que de fato tudo tinha acabado há muito mais tempo. Percebi que não havia qualquer sentimento nostálgico por parte de quem ficou. Pergunto-me se, inconscientemente, não me culpam por ter partido, por tê-los abandonado, por tê-los deixado sem notícias. Senti que não recuperamos nada naquele encontro, que não se repercutiu, que não se repetiu. Havia entre eles um elo que eu tinha perdido, e vi que não conseguiria reatá-lo tão facilmente. Diferentemente dos meus colegas de faculdade, que nada me cobraram, pois represento para eles o mesmo que eles para mim, para meus amigos de infância devo ser apenas um nome, um rosto numa foto antiga, uma lembrança hoje apagada. Não posso me queixar. Durante muito tempo era isso que também representavam para mim. Mas só eu quis mudar esse cenário; eles não.
(30 Janeiro 2015)