Calçando os sapatos alheios...
Precisei trocar o gasto zíper da minha bolsa de viagens e ao chegar ao sapateiro me deparei com uma placa em seu estabelecimento: "Vendem-se usados".
Fiquei ali olhando aqueles pares de calçados e imaginando quem os teria usado. Quantas pedras levaram, quantos calos abrigaram, quanta história acumulavam ali, agora silentes à espera de novos rumos e literalmente de nova caminhada?
Que destino teriam se ninguém os desejasse calçar novamente? Pois não é nada confortável calçar os sapatos de outrem. Os calçados velhos tomam o formato dos pés e carregam restos de pele e suor de quem muito os usou.
Minhas ponderações, por poucos instantes, percorriam uma grande extensão de lembranças e por consequência, de sentimentos. Fiquei absorta tentando me lembrar de quando eu havia calçado os sapatos de alguém. Não me recordava... Talvez até então, não tivesse tido coragem e sabedoria para tal.
O balconista veio me atender e me pediu que aguardasse a finalização de um serviço pois a cliente estava esperando.
Então, aguardando minha vez, aproveitei para retornar à minha distração. Fiquei cismando sobre os antigos donos daqueles pares que não se deram o trabalho de voltar para pagar pelos serviços daquele artesão. Talvez porque o preço cobrado pelo conserto não valesse a pena ou porque já possuíam novos sapatos que não justificaria usar os recauchutados.
Pensei também no ofício de sapateiro que, entre pinceladas de cola e tachinhas, com a habilidade própria dos artistas, tinha a missão de renovar a caminhada ou até mesmo permitir a reconstrução de novos caminhos... Mas o que mais me deixou perplexa foi imaginar os futuros donos daqueles sapatos que pacientemente me olhavam. Como seriam humildes no sentido etimológico mais amplo da palavra. Seriam seres humanos realmente desfavorecidos?
Na vida vemos tantos homens e mulheres, com títulos e grande nível de conhecimento, demonstrando porém, grande incapacidade de escutar o outro. A nossa pequenez nos impede muitas vezes de sermos empáticos, de compreendermos as diferentes tribos, de aceitarmos as diferenças.
Concluo com uma sensação que é um misto de impotência e culpa: Não é para qualquer um calçar os sapatos alheios...
Cláudia Machado
Nota: um texto que fala sobre empatia, usando por alegoria a expressão no idioma inglês "to be in (someone's) shoes" que significa literalmente como "calçando os sapatos de alguém" mas que traduzindo seria algo como "estar na pele do outro".
Precisei trocar o gasto zíper da minha bolsa de viagens e ao chegar ao sapateiro me deparei com uma placa em seu estabelecimento: "Vendem-se usados".
Fiquei ali olhando aqueles pares de calçados e imaginando quem os teria usado. Quantas pedras levaram, quantos calos abrigaram, quanta história acumulavam ali, agora silentes à espera de novos rumos e literalmente de nova caminhada?
Que destino teriam se ninguém os desejasse calçar novamente? Pois não é nada confortável calçar os sapatos de outrem. Os calçados velhos tomam o formato dos pés e carregam restos de pele e suor de quem muito os usou.
Minhas ponderações, por poucos instantes, percorriam uma grande extensão de lembranças e por consequência, de sentimentos. Fiquei absorta tentando me lembrar de quando eu havia calçado os sapatos de alguém. Não me recordava... Talvez até então, não tivesse tido coragem e sabedoria para tal.
O balconista veio me atender e me pediu que aguardasse a finalização de um serviço pois a cliente estava esperando.
Então, aguardando minha vez, aproveitei para retornar à minha distração. Fiquei cismando sobre os antigos donos daqueles pares que não se deram o trabalho de voltar para pagar pelos serviços daquele artesão. Talvez porque o preço cobrado pelo conserto não valesse a pena ou porque já possuíam novos sapatos que não justificaria usar os recauchutados.
Pensei também no ofício de sapateiro que, entre pinceladas de cola e tachinhas, com a habilidade própria dos artistas, tinha a missão de renovar a caminhada ou até mesmo permitir a reconstrução de novos caminhos... Mas o que mais me deixou perplexa foi imaginar os futuros donos daqueles sapatos que pacientemente me olhavam. Como seriam humildes no sentido etimológico mais amplo da palavra. Seriam seres humanos realmente desfavorecidos?
Na vida vemos tantos homens e mulheres, com títulos e grande nível de conhecimento, demonstrando porém, grande incapacidade de escutar o outro. A nossa pequenez nos impede muitas vezes de sermos empáticos, de compreendermos as diferentes tribos, de aceitarmos as diferenças.
Concluo com uma sensação que é um misto de impotência e culpa: Não é para qualquer um calçar os sapatos alheios...
Cláudia Machado
Nota: um texto que fala sobre empatia, usando por alegoria a expressão no idioma inglês "to be in (someone's) shoes" que significa literalmente como "calçando os sapatos de alguém" mas que traduzindo seria algo como "estar na pele do outro".