A grande ideia
Fui à Wanessa comprar pão e, ao passar pela Monsenhor Clóvis, em frente à Quadra de Areia, notei uma obra que tem crescido muito rapidamente nos últimos dias. Em janeiro havia no local uma casa ainda montada, em fevereiro, uns tratores puseram-na abaixo, em março restaram apenas escombros daquela edificação domiciliar. Desde março a obra estava parada, em razão do coronavírus, sugere a razão. Nestes últimos dias, porém, a obra recomeçou em busca do tempo perdido ou, como se diz alagoanamente, recomeçou a todo vapor. Agora já está no primeiro andar, tem colunas de aço, registro no CREA. Está quase emancipada. Resta saber a que fim se destinará, se para guardar homens ou materiais.
Está é uma pergunta cuja resposta ainda desconheço. Perguntei ao leiteiro que faz a minha rua se tinha alguma informação a respeito. O bem-informado leiteiro me disse que não tinha certeza, mas tinha convicção de ter ouvido falarem que aquela obra grande abrigaria uma igreja. Não fiquei contente com a resposta. Em uma cidade da dimensão de União dos Palmares, em que já existem dezenas de igrejas, mais uma, a meu ver, seria desperdício de espaço. Por que não, para usar melhor aquele espaço, um cinema ou uma biblioteca?
Descontente com a resposta do leiteiro, procurei o carteiro que cobre a área em que se emancipa, segundo o leiteiro e suas fontes, a construção episcopal. O carteiro me disse que não tinha certeza, mas que, segundo sua intuição postal, aquele lugar seria a casa de um Banco, desses que nos cobram muitos juros. Mais uma vez, desagradou-me a resposta. "Mais um Banco em União?". "Isso não é ótimo!", respondeu-me o carteiro, meio risonho, meio sarcástico.
Então, por estes dias, os meios de comunicação divulgaram que o governo pretende taxar livros. Recebo a notícia e a primeira palavra que me vem à mente é um palavrão. Inconstitucionalissimamente? Anticonstitucionalissimamente? Não. É um palavrão menor e mais agressivo, composto por quatro letras, sendo duas vogais e três consoantes. Poderia lançar mão dele aqui e agora, para expressar minha perplexidade e indignação diante de proposta tão acintosa à cidadania, à ciência, à liberdade de expressão, ao livre pensamento. Mas não o farei. Porque, graças aos livros que li e que ainda leio, que constituem e se constituem muito de mim, sei que a educação vale a pena, embora o pão seja caro e a liberdade pequena, como nos diz o poeta.
Em um país em que grande parte da população é analfabeta, em que em si os livros já são destinados à elite, em vez de democratizar o acesso aos livros por meio de programas de incentivo à leitura e de doação de livros, o governo vai na contramão do progresso, da cidadania, da ação humanizadora e humanizante que devem pautar qualquer país que deseje minimante progresso social e humano.
Essa grande ideia de taxar livros, para além das taxas costumeiras, em um país como o nosso, chegar a ser ato de covardia, de ódio ao saber e ao conhecimento, um ato próximo mesmo da insanidade.
Não se deve taxar livro como se taxa cerveja, whisky, vodka orloff; como se taxa as armas Taurus; como se taxa os tênis Nyke. Livro é instrumento de desenvolvimento e construção de saberes, arma contra a ignorância, fermento da cidadania. Taxar livro é ideia de capitalista, de senhor feudal, de inimigos da Nação; coisa de estadista não é.
Quem taxa livro alegando ser pelo bem da Pátria mente. Se fosse pelo bem da Pátria, taxaria as igrejas, que a cada dia avolumam-se mundo afora; taxaria as grandes fortunas, que a cada dia tornam-se maiores; e boa parte dessa arrecadação seria destinada à construção de bibliotecas públicas e a programas de incentivo à leitura. Nesse caso, sim, estaríamos diante de um estadista, de alguém interessado em desenvolver a Pátria. Estaríamos diante de grande ideia. Mas não é o que temos neste governo. O que temos é retrocesso, é ressentimento, é covardia.
Como se vê, a grande ideia deste governo não é ideia grande. É um palavrão composto por quatro letras, sendo duas vogais e três consoantes. Taxar livros é ideia reles, vil, grosseira, abjeta, desprezível, ordinária, escrota, cafajeste, cruel. E os livros podem comprovar que, assim como dois e dois são quatro, essa ''grande'' ideia deste governo, isto é, taxar livros, não passa de retrocesso, ressentimento e covardia.