A era do delivery
Se antes da pandemia da Covid19 a preocupação com a rapidez dos serviços e com o resultado instantâneo nas vivências e decisões diárias já era uma realidade entre nós, nos últimos meses, em que se tornou fulcral manter-se sem distanciamento seguro, veio ao centro da cena a importância da pronta entrega.
Há o profissional que se entrega em meio a uma crise sanitária. Entrega-se pela necessidade do trabalho e do sustento a ser levado par casa. Há a entrega em manifestações por melhores condições de trabalho enquanto aumentam a demanda e a percentagem da procura, mesmo com a reabertura dos estabelecimentos, e o retorno financeiro para esses profissionais diminui. A entrega pela família e pelas pessoas que aguardam em casa a moto ser guardada, seguida do giro seguro da chave na porta. A entrega da imagem, da cara a tapa às situações de humilhação e exposição ao preconceito social e racial tão latentes.
Após cinco meses de isolamento incompleto entre o vai e vem de quem precisa e de quem desdenha, quem é privilegiado recebe. Em casa, em segurança e quase em paz, cobertos de invisibilidade diante da doença igualmente invisível. Nessa dicotomia é possível perceber a importância de entregar e receber na mesma medida.
Na semana em que vieram à tona alguns dos casos de agressão que despontaram dentre inúmeros não alcançados pela luz da mídia, urgem algumas questões importantes: Há “graus” de respeito para que alguns recebam mais, outros menos e outros nenhum? As profissões de menos “status” são menos importantes? Há realmente pessoas em condição de “assistir a crise pela janela” sem necessidade de nada? O que é serviço essencial? Quem entrega? Quem se entrega?
Entregar com zelo e receber com empatia, brincando de papéis trocados em cena, talvez seja o caminho. Entre doar-se e doer-se, os abraços ainda não podem ser pedidos via aplicativo. Assim como uma tarde de sol, uma caminhada na praia, manter-se saudável e em segurança. É urgente perceber que receber, em todas as esferas, é um privilégio. Da mesma forma, entregar é divino, e nos nossos dias, cada vez mais constitui-se um ato de coragem. O endereço mais importante e de mais difícil acesso é sempre o lugar do outro. Quando tudo passar, que a localização do respeito passe a estar sempre salva nas telas, para não ser esquecida.