MEUS BOTÕES E  EU 




Era madrugada de um sábado, janeiro/2013.
Andava pela minha rua um jeito de abril.
Friozinho totalmente fora de época e uma névoa embrulhando em tule a visão de minha janela.
Encabulada, saiu do armário uma velha jaqueta e juntos,jaqueta e eu,vazamos “nas horas mortas”,como diria minha avó, a bisbilhotar a avenida neblinada.
Pode ser auto sugestão,mas juro que senti (meus botões, inclusive,) um cheiro relaxante de marcelas do campo.
Aquelas!...
Precursoras de outonos poéticos, em tons amarelo esmaecido, onde o tico tico faz o ninho e lamenta no peito sua fama de traidor, segundo diz a lenda.
Flores de abril à parte, restava-nos deixar-se neblinar.
O silêncio era entrecortado, de quando em quando, pela voz ligeiramente aveludada de Tiãozinho dos teclados (Sim ! Esta é a denominação artística de meu vizinho) em sua concorrida lanchonete, a pouca distância.

**********************************************
“Quem me vê assim sorridente// Não sabe o que estou passando// O meu sorriso é triste // Eu devia estar chorando...”
****************************************************

Era este um dos trechos “marcantes” da canção que rolava no estabelecimento. Daquela vez foram meus botões a antecipar-se:
-E aí ?...Véio ! Quanta verdade nesta melodia,não é mesmo?
-Véio ! É o teu passado, jaquetinha surrada. Pensei comigo.Mas reconheço que vocês têm razão.
A letra no melhor estilo brega encerrava uma grande verdade:
“Quantas vezes nossos sorrisos são mesmo, meras conveniências!?".
Ficamos por ali, numa barata filosofia de bodega,entregues aos afagos desajeitados da aragem.
De resto a fria madrugada brindava-nos com cenas que oscilavam do romântico ao enigmático,
Um rastro de perfume pelo ar, um cão pensativo ao redor do muro, alguns uivos e assobios distanciados.
E pra fechar com chave de ouro a madrugada de elucubrações a uma certa distância um casal abraçadinho singrando as brumas sob anêmicos fachos das luminárias de minha rua.
O rumo que tomavam sugeria um longo caminho até a bucólica “Guti”, o bairro mais próximo.
Intrometido, como sou, os captei em um clic.

“Tiãozinho do teclado” prosseguia aveludando-se em suas canções ligeiramente românticas e o enigmático casal era engolido pela densidade das brumas.
Atendendo sugestão dos meus botões, encolhidos – jaqueta e eu – tomamos o rumo do quarto.
Havia a promessa de um domingo encantado à nossa espera.