Não sou fã de novelas. Talvez por não ter tempo de acompanhar os enredos (ou não priorizá-los) ou por me apaixonar pela leitura muito cedo. Meus familiares também tiveram uma parcela de contribuição, nunca foram noveleiros. Já dizia meu saudoso avô, abre aspas, a melhor novela está na vida real, se se perderes nos capítulos, decerto o final não será feliz. De qualquer modo, as revistas de fofoca sempre atraíram minha atenção.
Antônio Fagundes é um dos poucos atores cuja carreira acompanho por se tratar de uma revelação brasileira de destaque. Embora seja muito conhecido por suas novelas, foi o teatro que trouxe o apogeu de sua interpretação.
- Num espetáculo é possível perceber a verdadeira capacidade de um personagem em cena e testar suas habilidades em ser criativo diante de um grande público.
Fato é que, o ator nunca saiu de nossos olhos. Seja por suas paixões, Araci Barbariam foi umas das primeiras e Alexandra Martins a atual, ou por suas interpretações impecáveis no teatro desde 1963 ou na televisão.
Certa vez, numa apresentação em 2017, ouvi de Fagundes uma história que marcou sua vida e revelou sua sensibilidade e essência. Era agosto de 1985 num grande teatro de São Paulo cuja capacidade era de 1200 pessoas por sessão. O teatro ficava numa região cercada por “inferninhos” (descobri mais tarde que se tratava de casas de shows para maiores de 18 anos ou seja, boates de prostituicão) e as filas circundavam a região central para a compra de ingressos, alguns viravam a madrugada. Os espetáculos aconteciam de quarta a domingo, com lotação total, mesmo não tendo preço popular. Numa de suas apresentações, o segurança foi até o camarim e disse que havia uma senhora que gostaria de falar com ele e entregou-lhe um presente: um litro de coca-coca com um líquido amarelo, tampado com um embolo de jornal. Fagundes recebeu de bom grado, embora tenha ficado intrigado com o “presente de grego”, mas como estava em cima da hora da estreia, não pôde falar com a senhora. Antes, contudo, retirou a tampa improvisada da garrafa e cheirou o conteúdo, percebendo se tratar de uísque. Algumas semanas depois, chega o segurança informando que a senhora insiste em falar com ele, se ela poderia adentrar o recinto. Fagundes, porém, disse ao segurança que ele mesmo iria até lá. Quando chegou na porta, deu de cara com uma senhorinha de cabelos brancos, bastante simples e com um brilho no olhar que o recebeu perguntando se havia gostado do presente e emendou que ela se chamava Maria e era faxineira nas casas de show, que o sonho dela era assistir ao espetáculo ano qual era ele o ator principal e, que durante 1 ano e meio, guardou o equivalente a 1 real por dia para assistí-lo e que, depois da experiência, teve a certeza de que o valor que havia pago era inexpressivo pela grandiosidade do mestre em cena e que, por isso, mesmo não tendo condições de presenteá-lo, passou a juntar, numa garrafa de coca-cola, as sobras de uísque das mesas dos poderosos e ricos que iam até as casas. Foram meses até encher a garrafa com o melhor uísque vendido nas casas. Fagundes caiu em pranto, soluçando, a convidou para assistir o espetáculo quantas vezes quisesse e ofereceu para ajudá-la, de algum modo, ela recusou dizendo que prêmio maior merecia ele.
Aquela atitude simples da senhora é bem mais que um presente, mas representa a delicadeza e grandeza de alguém que, materialmente era desprovida, mas arrumou uma forma de homenagear o grandioso artista. O ator afirmou categoricamente que aquela foi a história mais forte que viveu, pelo esforço e admiração daquela mulher.
Por vezes, o maior presente não está no valor econômico mas na atitude de reconhecer, mesmo na pequenez, que grandiosidade é gesto impagável.
Aprendi com o Fagundes, que o melhor que poderia ter, ofereço aos que admiro. Isso não tem preço, mas tem valor!
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 12/08/2020
Reeditado em 12/08/2020
Código do texto: T7033708
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