O que realmente importa
Quando eu era jovem eu pensava muito grande. Não concebia pra mim nada menos que um futuro glorioso. Me ferrar na vida, morrer cedo, essas coisas não passavam pela minha mente. Me empolgava com a certeza da beleza e dimensão que os meus feitos teriam.
Talvez seja parte do processo de ser criança, não pôr limites na imaginação.
Porém, estava eu, adulto, e ainda pensava assim - se é que uma pessoa de dezoito anos, sem vida sexual ativa, pode ser chamada de adulta.
O fato é que cresci carregando um pedaço dessa certeza. Ou pelo menos, até o dia em que comecei a pagar aluguel.
O aluguel, esse desgraçado, me jogou no mundo real. Me mostrou que aquilo tudo era sonho, e que o mundo real não dá a mínima pros sonhos de ninguém.
Passei a pagar pelo o que eu julgava que seria a liberdade.
Que liberdade é essa, que eu tenho que pagar por ela?
Comecei a ver que sonhar não fazia o menor sentido.
Era sempre acometido por episódios completamente fora do meu controle, fossem bons ou ruins. Como se pode sonhar num cenário onde reina a aleatoriedade?
Mais alguns anos foram o bastante pra eu seguir caminhos totalmente inimagináveis. Nenhum deles me apontava algum sinal de glória, de magníficas realizações. Mas, lá no fundo, eu sabia que tinha andado exatamente onde eu deveria, que havia feito as escolhas que eu realmente precisava fazer, quando as devia fazer.
Saber disso me induziu a uma mudança de perspectiva. Radical e inevitável.
Parei de sonhar com grandes feitos, porque comecei a notar a grandeza das coisas comuns.
Parei de romantizar o amor, e passei a ser grato só de ter companhia, de ter alguém pra transar.
Abri mão do dinheiro quando, na sarjeta, experimentei a verdadeira liberdade.
No mundo real tem muita gente lutando, nesse exato momento, só pra ter dignidade.
Num cenário desse, onde o básico é um privilégio, não era possível que sucesso e felicidade se sustentassem em coisas como status ou patrimônio.
Eu precisei abrir mão da matéria, profundar o desejo.
Cavei até a raiz, e lá eu vi, que o que eu mais cobiçava, já estava comigo o tempo todo.
O essencial sempre esteve, camuflado, ao alcance dos meus olhos, ouvidos, da minha boca e das minhas mãos.
Percebi que o passado é mais importante que o futuro, e que o presente, seja como for, me basta.