AS CRÔNICAS DO POMBO - Personagens inúteis

“Pode ir! Eu já morri! Eu já morri! AAAAHH!!!”

T-Dog, The Walking Dead

Sim, amigos. Através da minha incrível namoroiva me tornei um amante de séries. Curiosamente assisto apenas a supracitada, porém, só pelo fato de finalmente ter acesso à famigerada Netflix (que antes considerava uma Terceira Margem do Rio, onde sabia da existência, mas era inatingível para mim) e agora que fui “Netflixado”, sinto que tenho a profícua capacidade de falar sobre outras.

Alguma vez você se deparou com aquele enredo onde o número de personagens mais parece o time de futebol do campinho de areia? Eu explico: muita gente desnecessária onde, se der, a gente toca a bola. No meu caso, entre muitas habilidades de futebolista, eu poderia ser a bola que mesmo assim não tocavam para mim. Não entendeu? Se Brás Cubas podia te chamar de burro... então...

A quantidade de atores para uma história (digo no âmbito do entretenimento de películas filmadas para séries, seriados ou filmes) e o arco que alguns possuem é tão pífio que faziam minhas amígdalas terem maior utilidade.

O personagem T-Dog da série The Walking Dead (que traduzido é quase um “Andando Morto”, o que espelha bem esse personagem) feito por um ator negro que tive preguiça de pesquisar teve um desenvolvimento tão pequeno na série que eu e minha namoroiva chegamos a cogitar que o roteirista tinha alguma coisa contra esse moço. Sério.

A série mal começa e a primeira atitude dele é apanhar para um branco meio babaca chamado Merle e só. Não, ele não estava amarrado nem nada. Só apanhou. Depois, quando os zumbis invadem o prédio onde um grupo estão (originalmente com sete pessoas, sendo T-Dog e o racista lá), todos fogem menos o racista que foi algemado (para conter sua babaquice) em um duto metálico na cobertura do prédio. Enquanto escapam pelas saídas emergenciais do edifício, sentem pena do homem que deixaram lá para morrer, então mandam T-Dog com a chave das algemas para libertá-lo. Ele chega lá correndo e faz o quê? Deixa as chaves caírem dentro de um cano. E depois? Fugiu dali dando uma nova versão espalhafatosa da parábola do Bom Samaritano, só que nesse caso, (ah! Vou falar) de um modo bem burro.

Como se fosse pouco, depois de muitos capítulos de ação, zumbis, adrenalina, zumbis, fuga pela cidade, zumbis, risco de morrer e zumbis, o consagrado personagem é ferido. Todos se espantam e pensam que ele fora mordido por algum morto-vivo, mas não. O cara se arranhou sozinho passando perto de um carro com a porta enferrujada. Aquilo se torna uma ferida podre e de tal forma ele é útil que, após a poeira abaixar, enquanto os outros foram procurar comida e abrigo, ele fica reclamando o tempo todo perto de um ‘trailer’ dizendo que está irritado e quer vingança. MEU DEUS! O CARA SE FERIU NUM CARRO SEM NENHUM ZUMBI POR PERTO!

Se não bastasse ele quase não teve fala nenhuma durante a série e, em alguns capítulos nem aparecia e quando surgia em cena era apenas para dizer:

“E então? Qual o plano?”

E só daqui a uns três episódios o dito cujo voltava.

Depois de longas três temporadas, o grupo principal está numa prisão. Zumbis invadem o local e nossos mocinhos tentam fugir, mas um deles foi mordido. Quem? Quem? Hahaha. Você me perguntou quem?

T-DOG, A LENDA! E abusando da linguagem dos clickbaits, OLHA SÓ NO QUE DEU:

Uma das minhas personagens favoritas, Carol, fugia com ele pelos corredores da prisão durante uma invasão de uma horda de zumbis. Num dado momento a mulher cai e os mortos-vivos estão perto de alcança-la. Foi aí que num ato (único) de bravura nosso herói se lança em cima dos zumbis para detê-los, que começam a devora-lo feito o que um crente faria com uma pizza após um jejum daqueles e grita, para eternizar sua última cena e participação na série:

“Fuja! Pode ir! Eu já morri! Eu já morri!”

E num ato de valentia, T-Dog é morto, sacrificando-se para salvar Carol, que conseguiu fugir.

Poético.

Fantástico.

Amei.

Bela bosta.

Porém, algo chama muito atenção. Esse personagem, na minha visão, não teve serventia nenhuma senão dar mais trabalho para os protagonistas primários, secundários e o resto do grupo, mas essa última frase me marca e até choca.

Para quem conhece de zumbi ou já viu um, sabemos que ao ser mordido, automaticamente o vírus-bactéria-doença-catapimbas de zumbificação atinge a vítima e dentro de poucos instantes, com a morte inevitável, a pessoa será mais um zumbi no mundo. T-Dog, ao ser mordido, já sabia de sua morte certa (e desejada por mim. Desculpem, mas já estava enchendo o saco). No entanto, sua fala final refletiu com praticamente tudo o que ele foi na série: um peso morto.

“Eu já morri! Eu já morri!” Entretanto, já estava morto desde o começo. Só não como um zumbi.

Não quero entrar em detalhes de estúdio, roteiro, gastos com elenco, contratos e outros assuntos porque não entendo. Todavia, depois de toda essa ladainha, venho aqui falar de algo real: quantos T-Dogs não vemos por aí? Que mesmo vivo entre os zumbis, consegue ser mais morto que os próprios mortos. E até perigosos. Não por ameaçar ou ferir alguém do grupo por maldade, porém pela excessiva inutilidade de sua vida.

Abraham Lincoln disse:

“Se você não vive para servir, não serve para viver.”

A missionária Maria WoordWorth Either disse, mesmo em sua velhice, mas constantemente ativa no serviço da igreja, disse:

“Nascemos para servir ao Senhor. Somos ferramentas. Parados, enferrujamos mais rápido."

E para que ninguém pense que isso aqui é um artigo religioso, vamos de Fernando Pessoa outra vez:

“Existir é fazer”

E João Cabral de Melo Neto, em O Cão Sem Plumas, para matar a questão:

“O homem, porque vive, choca com o que vive.

Viver é ir entre o que vive.”

É possível termos uma existência totalmente inútil. Bernardo de Claraval dizia que até o muito conhecimento se torna pura vaidade, uma vez que, ao exibi-lo aos outros, não sabe o que fará com ele.

O que isso tem a ver com minha vida e crônicas do pombo? Em minha vida muitos personagens inúteis passaram. Pessoas que nem cheiraram, nem federam. Existiram e só. Não falo que todos os seres humanos da terra me devem favor ou que você tem que sair por aí entregando flores para todo mundo vestindo a camisa “Em que posso ajudar?”. Tem gente que abusa da nossa bondade e devemos ser cautelosos quanto a isso. Minha reflexão se baseia em “Existir” e “Acontecer” no lugar onde você está perto de quem está a sua volta. Não queira mudar o mundo inteiro, todavia não seja um T-Dog que é útil para alguém só quando morre. É hora de você parar de só existir e começar a acontecer. Marque positivamente a vida de alguém. Recitando novamente o poeta, “choque” com o que vive. Mostre que você existe.

“Pronto! Virou palestra motivacional! Onde pego meu copo de Fanta laranja e os pãezinhos de frios?”

Entretanto, a pergunta também serve para mim. Será que sou um vivo-morto perto de mortos-vivos e os vivos não têm notado muita diferença ao olhar para mim?

LEANDRO, O QUE TEM A VER COM O ASSUNTO DA CRÔNICA ANTERIOR?

Só posso dar uma sinopse do que aconteceu:

No meio de tantas dificuldades que tive, surgiram alguns personagens. Contudo, pessoas muito úteis, que muito me ajudaram a completar os estágios. Pessoas que se sacrificaram e se dispuseram para ajudar, de tal forma que não poderia deixar de agradecer.

Mas deixa isso para a próxima...

Obs: Para não ser injusto, pesquisei o nome do ator depois que escrevi isso aqui. Ele se chama IronE Singleton e fez alguns filmes que, com certeza, você não assistiu e se sim, nem lembra.

Leandro Severo da Silva
Enviado por Leandro Severo da Silva em 12/08/2020
Reeditado em 12/08/2020
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