Onze Minutos

Um homem sentado fuma um cigarro. À sua volta, várias “guimbas” e balões de festas flutuando. Ele traga e solta a fumaça lentamente, com o mínimo esforço, formando círculos de fumaça no ar. Seu olhar é perdido, como se buscasse, com dificuldade, a memória de algo. Termina o cigarro que fumava e conta: “Novecentos e noventa e cinco”.

Ele se levanta e procura por algo entre as “guimbas”. Encontra mais um cigarro, que começa a fu-mar. Repete os movimentos lentos. Entre alguns tragos caminha por entre balões, analisando-os. Es-toura um e, dele, caem brilhos coloridos. O homem ri e começa a comportar-se como criança. Esconde o rosto e: “um, dois três, (...), dez. Lá vou eu”! Procura alguém entre os balões. Não encontra.

Nunca foi o escuro que o assustou. Muito menos perder-se. Seu medo sempre foi a solidão. Vivia se escondendo. As multidões o acabrunham. Sempre tão urgentes, tão seguras, tão felizes. Nunca teve essa felicidade segura, urgente. Aliás, sempre se sentiu como o palhaço de Ruggero: “que transforma em pantomimas o riso e o pranto, em uma metamorfose o soluço e a dor”. É o que as pessoas esperavam dele. É o que as pessoas esperam de todos: alegria com hora marcada.

Livra-se do cigarro: “Novecentos e noventa e seis”. Ele se deita, tremendo. Acende outro. Desta vez, ainda mais lento. Traga e solta a fumaça mais demorada-mente. Aos poucos puxa os balões em sua direção, como um pedido de ajuda, e os estoura, libertando a fumaça de seus interiores. Desfaz-se do cigarro: “Novecentos e noventa e sete”.

Tateando entre as “guimbas” encontra outro e, dessa vez, o is-queiro permanece aceso por mais tempo antes de o cigarro se acender. Ele traga o máximo possível. Solta a fumaça ainda mais demoradamente. Volta a caminhar por entre os balões até estourar outro. Ouve a marcha nupcial e “desfila” até o altar. Olhando o cigarro terminado: “Não consigo lembrar o que aconteceu nem onde você está. Novecentos e noventa e oito”.

Acende mais um. Continua “procurando” entre os balões. Para em frente a um preto. Encara-o por uns segundo e o estoura. Pega um pedaço de papel que caiu. Traga o mais profundamente possível e não solta a fumaça. Abre o papel e, só então, solta a fumaça de uma vez só. Lê seu conteúdo silenciosa-mente. Três palavras frias em um pedaço de papel timbrado e um buraco negro abre-se em sua alma, sugando toda luz para o seu vazio. Deixando o desejo por abraços cada vez que o frio cortante atravessa seu peito fazendo sangrar suas lembranças. Põe fogo no papel. Pega mais um cigarro e o acende no fogo. Observa-o queimar – “Cada cigarro me deixa onze minutos mais próximo de você”.

Estoura cada um dos balões até o último. Dá uma tragada pro-funda e solta a fumaça. Olha para o cigarro: “mil”.