O Aperto de Mão
O carro desceu a estrada levantando poeira. Na casa da fazenda, a família ficou em expectativa. Naquele início dos anos de 1970, um carro poderia significar notícias de longe, alguma visita, ou o patrão. Naquelas estradas de terra, no oeste paranaense, dificilmente alguém estaria em um carro sem um motivo muito forte.
O carro para em frente a casa e todos saem para o quintal. É o patrão. Simpático, bonachão, com bigodes e botas de gaúcho. Assim era o Sr. Angelim. Dirige-se a família cumprimentando todos – pega na mão e sacode. Ele é assim – educado, gentil, e ganhou a simpatia do pai logo de cara. A menina se esconde. Tem vergonha. Não sabe responder suas perguntas. Tem medo de falar alguma coisa indevida, mas ele a alcança e lhe estende a mão. Não há alternativa. O pai dissera antes que era falta de educação não responder a um cumprimento. O pai também dissera que um aperto de mão deve ser firme – é assim que as pessoas educadas fazem. Assim ela o faz. A mão pequena se perde na mão enorme do fazendeiro.
Passam-se os anos, já na cidade grande, trabalhando por escritórios, onde todos se cumprimentam com apertos de mão – naquela época não se beijava no rosto quem não era família. Abraços também não. Sempre teve orgulho de seu aperto de mão – firme, mas sem apertar os dedos. Assim deveria ser.
Mais alguns anos e o abraço entra em moda. Marca registrada de um povo. E assim é com colegas de trabalho, amigos de longa data, familiares, pessoas que acaba de conhecer, quando chega, quando vai embora. O abraço faz parte da vida, mas o aperto de mão ainda não caiu de moda, afinal, por trás de sua timidez não declarada, muitas vezes prefere só esta forma mais simples de cumprimentar. Mas faz questão – um aperto de mão deve ser dado quando não se conhece tão bem a pessoa, o colega de outros setores, visitantes, clientes. Sempre estende a mão fazendo com que aquele ato seja o mais importante naquele momento.
Aí vem a pandemia, e as pessoas se isolam, reclusas em suas casas clamam por familiares, por amigos, por um dedo de prosa no portão, por um abraço, por beijos, por dançar, passear, por aperto de mão.
Em vias de completar 5 meses em quarentena, volta ao local de trabalho para pegar documentos com um amigo – deverá trabalhar em casa. Desce do carro e a rua tão borbulhante em um passado não tão distante está vazia. Onde estão os estudantes? Onde estão os trabalhadores? Cadê a alegria residente naquela região próxima ao centro velho da velha São Paulo? Onde estão os idosos que por ali passam seus dias? Reclusos. Para e se senta na mureta em frente ao Teatro. Onde estão os banners com os anúncios dos espetáculos que há mais de 50 anos residem naquela fachada? Sumiram.
Aparecem os colegas de outros setores, que trabalham em reformas, e a cumprimentam – de longe. Sorri por trás da máscara. Pelos olhos percebem que também eles sorriem, e vão cuidar de suas tarefas. Fica ali sentada, pensando na vida, pensando nas coisas que fazem falta, na família distante, nos amigos que não podem chegar perto, no trabalho para o qual não pode voltar. E no aperto de mão!