GAROTA NACIONAL

i-no-cên-ci-a | s. f.

Aos 13, eu ainda era inocente. Um garoto comum, com uma rotina comum, amizades comuns, pensamentos, dúvidas, revoltas, tudo meramente comum. Se não fosse por um detalhe, eu começava a olhar diferente algumas mulheres ao meu redor.

Aquela época o que sabíamos sobre mulheres era visto nas fotinhas dos isqueiros, revistas da Playboy ou ouvíamos dos amigos que haviam se envolvido com uma — aparentemente se envolvido, pelo menos. Estava tudo no campo das ideias. Zero certezas. O início de tudo se deu quando me aproximei do Fábio, um colega mais velho e mais desolado que eu. Tornou-se quase uma rotina ir ao fliperama depois das aulas, ou quando algum professor faltava. Como morávamos na mesma direção e o fliperama ficava naquela direção, sobrava apenas ele e eu para jogar. Foi assim por um tempo. Queríamos apenas jogar jogos de luta antes de ir pra casa, nada de muito diferente dos panos de outros garotos de nossa idade.

Um dia fomos surpreendidos por uma das grandes novidades do momento: abriram uma Lanhouse ao lado do fliperama. Então a ordem das coisas mudou, primeiro jogávamos até duas fichas acabarem e depois pagávamos por meia hora de Internet. Nas primeiras vezes era o mais do mesmo, Orkut, MSN, coisas assim, as opções eram rasas até então. Num desses dias, ele me diz "olha a tia pra vê se ela vem pra cá", fiquei olhando, e ele digitou as duas palavras que mudariam demais a minha vida durante a adolescência: Garota Nacional. Enter. Clique à esquerda do mouse. E ali estava. Coxas! Bundas! Bocas! Seios! Bu-ce-tas!! Era um oásis, nunca tinha visto tantas variedades; loiras, morenas, negras, orientais, malhadas, magras, novas, velhas, raspada, cabeluda, aquele era sem dúvidas o melhor site de acompanhantes da Internet — e eu soube disso porque cheguei a conhecer praticamente todos que existiam...

Não demorou muito tempo para que eu passasse a ir sozinho nas Lanhouses, não demorou muito para que um dia eu ligasse para algumas delas, apesar de saber que não daria em nada, eu fazia, pois queria estar em contato, falar com elas, ouvir a voz, tentar uma cantada com numa mulher mais velha e mais experiente. Claro que houve pouco sucesso — nenhum sucesso —, logo nos primeiros segundo ficava evidente a minha pouca idade. Outra coisa que também não demorou muito foi eu enjoar de ver fotos apenas, então logo pulei pros vídeos, afinal vê-las em ação era mais interessante que paradas em poses diversas. Uma coisa sempre foi evoluindo para outra, o tempo passava e eu sentia vontade de ir além, ao passo que me afundava mais e mais nesse mundo sexualmente virtual. E não digo isso num tom de lamento, não há lamento. As coisas foram como foram e é isso aí.

Garota Nacional me acompanhou durante boa parte de minha infância, não saberia dizer quando exatamente se retirou da minha vida, foi tão natural quanto você se esquecer do almoço da quinta da semana passada. Outro dia, sem motivos claros, relembrei desta fase e de que esse site um dia me encantou. Abri o Google Chrome, barra de pesquisa: Garota Nacional. Enter. Susto. Decepção (?), talvez. Apatia! O site não aparecia mais buscas, pensei ter errado seu nome, busquei de várias formas, nada, veio todos os outros, alguns novos, menos ele, o belo e mais completo, Garota Nacional. É sempre assim. Não muda, nunca muda. O tempo passa e leva tudo, absolutamente tudo. E assim aconteceu com o Garota Nacional. Suas acompanhantes provavelmente estão espalhadas em outros sites do gênero, algumas talvez tenham até "aposentado", migrado pras redes sociais, quem sabe. O tempo passou. O tempo passou e levou o Garota Nacional, aliás, o tempo passou e levou consigo muitas outras coisas, como as minhas posteriores idades depois dos 13 — idades depois da minha inocência. Idades vazias. Todas elas.

Um Rapaz Meio Estranho
Enviado por Um Rapaz Meio Estranho em 09/08/2020
Reeditado em 09/08/2020
Código do texto: T7030761
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.