Pai, criança e fastio
Ainda ontem de manhãzinha, na esquina da Juvenal com a Domingos de Pino, sob sol ainda mascarado, eu caminhava mascarado quando uma criança desmascarada, parcialmente nua e totalmente descalça, saiu velozmente à calçada de casa, levando às mãos biscoitos e indo ao encontro de um cachorro transeunte, mais para vira-lata que para pedigree. O pai da criança, imediatamente à fuga do filho, correu desesperado a gritar: "Volta, João! Não faça isso não! Ele morde!".
A criança, como geralmente fazem, desconsiderou a recomendação paterna, aproximou-se do cachorro, que não ofereceu resistência, e lhe ofereceu biscoitos. O animal mastigou-os todos, muito familiarmente, como que se ele e a criança fossem já conhecidos e propositadamente tivessem marcado aquele encontro degustativo. Ambos, o pai e eu, ficamos surpresos com aquela ordem não natural das coisas.
O pai achou-se capaz de auxiliar o filho na tarefa alimentícia; aproximou-se do cachorro, recolheu da mão da criança uns biscoitos e levou-os à boca do cachorro, que não aprovou a intimidade. O cachorro foi, em instantes, da gula ao fastio terminal, fez uma careta fastiosa, passou a pata esquerda sobre o focinho, suspirou, virou-se em direção à praça Padre Cícero: deixou-nos todos surpresos. Agiu conforme a ordem natural da coisas. Ficamos nós, a criança, o pai e eu, todos fastiosos.