Presentes de Pai
O maior presente que todos os pais dão é a vida. Cheia de possibilidades, imprevisível, repleta de sentimentos complexos, alegrias, tristezas, muitos momentos. Não consigo imaginar nada mais importante para dar a alguém. Para alguns, no entanto, há outros, e eu tive a felicidade de ganhar muitos.
Meu pai era um sonhador. Tinha sonhos de todos os tipos, e os vivia com grande intensidade, acreditava profundamente neles, justificava e defendia os motivos de suas crenças. Ele era muito falador e entusiasmado, contava com detalhes, tentava convencer as pessoas de sua viabilidade, e muitas vezes conseguia.
Muitos sonhos dele eram muito difíceis de realizar, e acabaram não acontecendo. Ele criava novos, e tinham uma importante função. Aprendi com ele que quaisquer que sejam os problemas que se tem, é possível imaginar solução ou algo tão bom que possa fazer o problema diminuir muito. O sonho pode ou não se realizar, mas se a pessoa acreditar nele e se envolver, muitas vezes supera as tristezas. Ganhei dele o presente de ser tão sonhador quanto ele, talvez um pouco mais preso ao chão. E nesses dias, revivo em meu pensamento, num sonho acordado, essas coisas boas que tenho para pensar dele. E para mim funciona como para ele, a tristeza é menor do que o sonho.
Em nossa vida, passamos por dificuldades financeiras, tínhamos um grande apartamento comprado financiado que não estávamos conseguindo pagar. Ele sonhou vender o apartamento em um ótimo prédio novo e comprar três pequenos. Muitos, inclusive eu, acharam que não daria certo, bombardearam a ideia. Ele insistiu, acabou nos convencendo. Foi atrás de prédios mais antigos, sem garagem e lazer e acabou achando. Compramos três apartamentos de um quarto num mesmo prédio antigo, um para cada um de nós, exceto ele, que logo após comprar o último separou-se de minha mãe. Foi um presente fundamental para nossas vidas, e quem viu nossas dificuldades financeiras, nunca acreditaria que ele e minha mãe pudessem conseguir dar esse presente. O sonho maluco virou plano, depois realidade.
Como foi importante para mim ter meu próprio apartamento, um começo de vida com um porto seguro, que me permitiu em pouco tempo arcar com minhas despesas, viver uma vida mais estável, realizar vontades e projetos de vida. Quando encontrei minha esposa, foi lá que começamos nossa história juntos, e saímos apenas quando o novo sonho, de termos nossos filhos, exigiu um espaço maior.
Embora o apartamento tenha sido tão fundamental em minha vida, sempre achei que o melhor presente do meu pai para mim foi a capacidade de sonhar, de imaginar realidades diferentes das do momento, que as coisas podem mudar e que é preciso acreditar no que se quer fazer.
Acho que nunca o agradeci o suficiente, e à minha mãe, por tudo que me deram. Escrever sobre isso me traz algum alívio, ao menos ela, minha maior leitora, saberá um pouco de meu carinho e amor.
Meu pai se foi há quase dez anos, dia 9 de agosto ele completaria 81 anos. Já não posso mais dar canivetes, bússolas, coletes e tranqueiras diversas que o fariam sentir-se como se fosse um Indiana Jones, nem roupas que ele enfurnaria nos armários até poder usar num dia em que eu visse, para mostrar que gostou. Ele era um homem simples, pouco preso a coisas materiais e muito ligado às pessoas que ele amava, tinha a capacidade de ser feliz com pouco.
Não creio em outra vida, entretanto, gosto de pensar que a pessoa ainda existe enquanto houver no mundo quem tenha lembranças dela e de suas histórias. Falar sobre ele me ajuda a superar essa coisa difícil que se tornou o dia dos pais, manter viva sua memória.
Pode ser, todavia, que eu esteja errado e ele certo, que haja um paraíso e de lá esteja vendo o que passa por aqui, que hoje tenho um sonho parecido com o dele e trabalho em planos para dar a meus filhos o mesmo começo de vida que ele e minha mãe me deram, estudo e um lugar só deles para morarem. Se assim for, estará feliz com a lembrança e com o sonho dele ter passado adiante em nova versão comigo.
Esteja eu ou ele certo, pouco importa. O que vale é que as pessoas que o conheceram ao lerem este texto dele lembrarão, e será com saudade. Já os que não tiveram essa sorte o imaginarão como ele foi e é para mim, um pai maravilhoso. É o presente que posso e quero lhe dar.