3 CIDADES - 3 FRONTEIRAS - CIUDAD DEL EST

A ultima parte da trilogia “3 CIDADES – 3 FRONTEIRAS”, apresenta um pouco da história, curiosidades e a atual realidade política e social de CIUDAD DEL EST, a co-irmã paraguaia que faz fronteira com PUERTO IGUAZÚ, cidade argentina apresentada na primeira parte e FOZ DO IGUAÇU, a nossa gigante paranaense que foi abordada recente.

Ciudad Del Est, ou Cidade do Leste, no pé da tradução, já foi um dia PUERTO STROESSNER, nos tempos ainda relembrados da ditadura militar do General Alberto Stroessner Matiauda, que morreu em 2006, exilado em Brasília. O militar, linha dura, foi Presidente do Paraguai de 1954 até 1989, ou seja, por 35 anos e 7 mandatos consecutivos. Ele também foi o General mais jovem da América Latina com 36 anos e foi um dos mentores do golpe que derrubou o Presidente Frederico Chávez em 1958, mas isso é história do Paraguai.

Antigamente, a cidade se chamava “Puerto Flor de Lis” e mais tarde, para engrandecer a sua honra sanguinolenta e vaidosa – coisa de ditador latino psicopata –, determinou que passasse a chamar “Puerto Stroessner” em sua homenagem e somente em 1989, passou a ser “Ciudad Del Est”, após o golpe promovido pelo seu co-genro que lhe derrubou do poder, e que permaneceu até hoje (o nome).

A cidade pequena que pertence ao Departamento de Alto Paraná (no Paraguai a nomenclatura para os Estados é de “departamento”, assim como na Argentina é “província”), tem hoje cerca de 200 mil habitantes oficiais, incluindo todos os milhares de estrangeiros que possuem identidades falsificadas, vendidas abertamente no meio das ruas sem o menor constrangimento, mas segundo fontes mais corretas de ONGs sérias que existem no país, vivem hoje cerca de 350 mil pessoas incluindo seus subúrbios. Ainda segundo estas ONGs, cerca de 700 mil pessoas vivem durante o horário comercial, que vai das 8 da manhã até 4 da tarde, de segunda a sábado. Nos sábados, a cidade chega a receber cerca de 1 milhão de pessoas, a maioria vinda do Brasil para comprar todo tipo de produtos.

É sabido por todos que Ciudad de Est é um dos maiores portos de comercialização de mercadorias do mundo, perdendo apenas para Roterdan (Holanda) e Cingapura (Ásia Menor) em volume de carga e muito embora a cidade não possua uma cena convencional dos portos marítimos e fluviais. Ela também é a terceira maior zona franca de comercialização mundial, ficando atrás de Miami (EUA) e Hong Kong (hoje, China); ela recebe e despacha todos os dias milhares de toneladas de mercadorias para vários locais do mundo e movimentando algo em torno de 60 milhões de dólares diariamente.

Somente Ciudad Del Este é responsável pela metade do PIB paraguaio; é a responsabilidade de uma única cidade em alimentar quase a nação inteira. Outra fonte de renda fantástica da cidade e por conseqüência, do país, é da hidroelétrica de Itaipu, uma empresa bi-nacional, parceria com o Brasil e gera, somente ela, 300 milhões de dólares anuais de renda para os paraguaios.

Mas tem um lado sombrio e assustador que Ciudad Del Est mostra ao mundo que amedronta quem resolve conhece-la. Independentemente das mercadorias falsificadas, do contrabando de eletrônicos e cigarros e até mesmo das mercadorias originais vendidas sem nenhum imposto ou restrição, a cidade abriga milhares de etnias de vários costumes; alguns com pouca ou nenhuma retidão de caráter.

Árabes, muçulmanos, cristãos, judeus, africanos, asiáticos e brasileiros fazem desta cidade uma das mais misturadas culturalmente do mundo. Muito embora o idioma oficial seja o espanhol, no lugar se fala mandarim, árabe, guarani, português e inglês e a diversidade de etnias que encontramos nas ruas sujas da cidade, é incrível.

Moeda também é outra coisa que circula na cidade em grande quantidade e diversas espécies. Guarani é a moeda oficial do Paraguai, mas Reais, Dólares, Pesos Argentinos e Euros, fazem de cada comerciante e barraqueiros, uma espécie de banco oficial. As centenas de casas de câmbio, praticamente uma colada à outra, trocam todos os tipos de moedas e exibem seus arsenais com homens de todos os tipos. Esta é outra característica forte do lugar. É comum se ver nas ruas, policiais, militares do exército, marinha e força aérea, além de populares comuns, portando e exibindo escopetas, fuzis automáticos e pistolas de grosso calibre. Também não é difícil, se deparar com um jipe militar equipado com artilharia antiaérea e jovens moços com menos de 18 anos os conduzindo em verdadeiros desfiles pelas ruas estreitas e abarrotadas de pessoas. Este tipo de prática mostra claramente quem manda no lugar.

Cocaína, haxixe, maconha, munição, armas e remédios falsificados, são facilmente encomendados por qualquer um. Para se ter uma idéia, se vocês estiver a fim de comprar um Fuzil AR-15 novinho em folha e quiser pagá-lo do lado brasileiro, também pode; é claro que com um acréscimo de 20 a 30% do valor normal ou até mesmo fazer uma encomenda de drogas, em pequena ou grande quantidade. O tráfego na ponte que liga a cidade ao Brasil, chamada carinhosamente de Ponte da Amizade, é intenso e impossível de ser controlado por amostragem.

As autoridades paraguaias não dão a mínima pela maioria das ocorrências desta cidade e basta ter alguns dólares no bolso que conseguimos uma espécie de hábeas corpos imediato, sumaríssimo e sem petição ou julgamento, esquecendo de vez as condições cautelares, constitutivas e normativas. A polícia que transita pelas ruas em grossos uniformes reluzentes, costumam usar uma espécie de “macaco trava” que pune os infratores de trânsito, mas no caso dos brasileiros, que eles sabem estarem possuindo dinheiro vivo para as compras, a negociação também é imediata e no meio da rua. Pagou, está solto; não pagou, eles levam para a prisão sem o menor constrangimento e chegando lá, fica ainda mais difícil sair.

Fontes não oficiais informam que existem entre 2 e 4 mil brasileiros presos em solo paraguaio, mas as autoridades brasileiras não divulgam, muito menos dão importância ao caso, pois a grande maioria destes miseráveis, é contraventor assumido. Os números oficiais nunca são divulgados e os advogados daqui não tem a mínima chance perante as leis paraguaias. Parte das cortes (Tribunais de Justiça) estão vendidas aos militares que sempre ameaçam voltar ao poder e a outra parte, os teme como o diabo foge da cruz, portanto, não há garantias absolutas de uma Constituição respeitável, séria e honesta. Qualquer pessoa que visite o Paraguai precisa contar com a sorte, apenas isso...

Chegar em Ciudad Del Est pelo Brasil é uma tarefa muitas vezes desgastante, humilhante e confusa. O vão da Ponte da Amizade com menos de 1 mil metros, às vezes pode ser percorrido em segundo, mas nos dias de alvoroço, esta viagem pode durar minutos ou até horas. O fluxo de caminhões, ônibus antigos, táxis paraguaios antigos e caindo aos pedaços, moto táxis, bicicletas e vendedores, fazem do lugar um verdadeiro inferno e do outro lado, os militares guaranis recepcionam a quem chega com revistas e pedidos de documentos, muitas vezes desnecessários. Depois, temos que passar por uma cortina humana com milhares de pessoas se debatendo entre si ou disputando a “tapa” a preferência de quem quer comprar algo.

Nas lojas, por mais que falem da originalidade ou garantia, nada disso na prática é possível. Um dos maiores problemas destas garantias são as distâncias. Os produtos são muito mais baratos do que no Brasil (alguns), mas quando temos que remetê-los para trocar por conta de distúrbios naturais, ou não encontramos meios de transportes ou não encontramos a garantia fixada no ato da compra, portanto, fica valendo a velha história do “barato que sai caro”.

Assim como na Argentina, a quota para quem visita a cidade por meio terrestre é de U$ 300,00, sendo fixado alguns critérios como quantidade não superior a “X” para alguns produtos e não acumulo de quotas com outras pessoas, mesmo que da família. Tudo que você comprar lá, precisa ser declarado por meio de DBA fornecido pela Receita Federal, que é conferido pela Aduana, ou na ponte ou no aeroporto e muitas vezes, requisitada por fiscalização da Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal, Receita Federal e até o Exército brasileiro, mas como já foi dito antes, estas DBAs são abertamente comercializadas nas ruas de Ciudad Del Est com o selo holográfico da Receita Federal em branco. Advirto que tal aquisição constitui em crime de falsificação de documento oficial federal, passivo de punição com cadeia e inquérito criminal federal.

Quase nada do que se encontra a venda em Ciudad Del Est é produzido no país. O Paraguai, além de plantações intermináveis de maconha e soja, possui pequenas fábricas de fachada, que falsificam marcas tradicionais e outras pequenas fábricas de componentes que são agregadas dos grandes falsários. A maior parte das mercadorias de lá são da China, Coréia e Taiwan e normalmente, pelo menos as vendidas no meio da rua, são confeccionadas em materiais nada confiáveis, portanto, impróprias para serem comercializadas em países sérios e com uma política comercial voltada ao bem estar da população.

Mas também existem lojas de muita seriedade, que estão no país há décadas e que importam legalmente seus produtos, assim como há uma facilidade muito grande para implantação de “tradings” ou importadoras, ao contrario do Brasil. Uma destas lojas especialistas em importações de bons produtos é a Monalisa, que possui ramificação no Brasil e ainda eu posso destacar, por conhecer, a Macedônia e Casa China. Normalmente, nestes lugares, não há milagres com relação aos preços, mas são absurdamente mais baratos do que os preços daqui.

Um dos fatos mais curiosos que acontecem na cidade são as comercializações de Carteiras de Habilitação originais do Paraguai. Em tese, que possui tal documento, fica isento de apresentar o documento brasileiro (CNH), que por aqui, é muito difícil de ser conseguido (lícito ou ilicitamente). O candidato à motorista paraguaio precisa só estar de posse da cópia do seu RG brasileiro, duas fotos tipo 3X4 (que eles chamam de carnê) e R$ 300,00. Qualquer paraguaio consegue o documento emitido oficialmente em menos de uma hora e depois disso, como nós mantemos acordos internacionais com o Paraguai, a nossa carteira é valida lá, da mesma forma que a deles é válida aqui. Tal comércio já foi alvo de inúmeras reportagens e chegou a ser minimizado por um certo tempo, mas em junho, quando estive na cidade, conversando com um motorista paraguaio amigo, ele me disse que isso é comum e que ninguém fica constrangido em assumir que faz. As carteiras são confeccionadas na Prefeitura de Ciudad Del Est e recebe chancela federal antes de ser entregue ao condutor. As carteiras de habilitação para conduzir veículos do Paraguai, permitem que o seu dono dirija, tanto carros, quanto motos.

Comer no Paraguai, em alguns lugares que não seja nesta cidade, pode ser prazeroso. Assim como os argentinos, eles sabem fazer um belo churrasco, mas na Cidade do Leste, esta façanha pode lhe custar a vida. Não há uma política de saúde pública e o saneamento básico é coisa de luxo. Restaurantes bons também não existe, assim como hotéis, daí, escolher uma comida de lanchonete ou na rua, muito comum, podem trazer graves conseqüências para a saúde, como a ingestão de salmonela e outras bactérias nocivas.

É bom deixar registrado que o povo paraguaio é caloroso, humano, gentil e amigo. Eles são simples e muito nos lembra o povo do interior de Minas Gerais e do Nordeste. Além do mais, nós brasileiros somos eternos devedores deste povo. Numa das guerras mais sangrentas da América do Sul, nosso Exército praticamente dizimou a população paraguaia no século IX, matando praticamente todos os homens, por ciúme da ascensão em que vivia aquele país e pelos planos maléficos de nosso Governo que anexou terras ao Brasil por meio de saques, pilhagens e muito sangue. Naquela época, destacaram-se duas figuras militares das duas nações; pelo lado paraguaio, Francisco Solano López e do nosso lado, Luis Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias. Esta guerra inútil e miserável deixou quase 1 milhão de mortos e colocou o Paraguai numa situação de desconforto até hoje, sendo a nação sul-americana menos desenvolvida. Portanto, temos o dever moral de tentarmos ajuda-los sempre. Até hoje o Paraguai é um país com muito mais mulheres do que homens.

Os paraguaios são usados pelos povos do mundo inteiro que se instalaram em Ciudad Del Est, com muito dinheiro, e fizeram da cidade um entreposto de malversações legais, roubos e condutas irregulares. Naturalmente, as autoridades se corrompem (quase todas) e o que se vê na cidade é um estado eterno de sítio ou de emergência. Sempre que se nota algum rumor de briga pelo Poder em Assunção, a Ponte da Amizade é imediatamente bloqueada pelos militares, que não permitem nem a entrada, muito menos a saída de ninguém. Para sair pela Argentina, necessita-se da utilização de uma balsa, pois não há fronteira seca ou pontes.

Assim é o lado paraguaio que faz divisa com o Brasil e a Argentina; ele é o estopim do barril de pólvora sul-americano e o termômetro comercial para milhares de brasileiros, argentinos, árabes, coreanos e chineses. Se Ciudad Del Est acabar hoje ou seu comércio for literalmente fechado, haverá conseqüências graves nas economias de muitos países, como o Brasil e talvez, conseqüências difíceis de serem reparadas a curto e médio prazo. Isso tudo me faz concluir que a ultrapassada cidade do extremo leste paraguaio é um mal necessário para a vida de milhões de pessoas, inclusive os brasileiros.

E assim, finalizamos a tríade crônica das 3 Cidades – 3 Fronteiras. Quem sabe em breve, não abordaremos outras matérias da mesma natureza?

DICAS DE SEGURANÇA:

Não viaje com muito dinheiro; não se arrisque usando cartões de crédito; não coma em qualquer lugar; não procure hotéis desta cidade; cuidado com qualquer tipo de autoridade; cuidado com os produtos que você comprar; cuidado com as ofertas tentadoras e muito cuidado com mercadorias que possam conter DROGAS ou ARMAS, no mais, visite sim Ciudad Del Est; conheça seu povo, sua cultura ímpar, seus encantos históricos e naturais e volte cheio de histórias para contar...

Carlos Henrique Mascarenhas Pires

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