Credo da remissão
Quando se tem nove anos de idade, é um tanto intimidador ficar diante daquele representante do Senhor, com sua sotaina branca, crucifixo opulento e um par de óculos estampando a face. Começava pedindo a reza do Pai Nosso, chegava a atropelar algumas palavras, mas, por conta do nervosismo, depois era a vez da Ave Maria, também nada capaz de representar um grande infortúnio. Os sobressaltos inquietantes eram tracejados no terceiro desafio, quando o sacerdote postado a minha frente dizia: muito bem, agora o Credo!
- Creio em Deus pai todo poderoso, criador do céu e da terra, e em Jesus Cristo seu único filho, nosso Senhor...
- E?
- Desculpa padre, vou recomeçar: Creio em Deus pai todo poderoso, criador do céu e da terra, e em Jesus Cristo seu único filho, nosso Senhor...
O bom padre chegou a passar um verdadeiro sermão, sobre a importância de aprender o credo de cor e salteado. O filme se repetiu pelo menos outras duas vezes e como antes, lembrava apenas do começo e do trecho desceu a mansão dos mortos, isso era tão assustador, se tivesse de partir não ansiava descer àquela vultosa morada.
- Se você não souber recitar o Credo de cor, não poderá fazer primeira comunhão – disparou o padre. Lembro-me de relatar o episódio para algumas pessoas, ficaram horrorizadas com a exigência. No fim, acabei me sagrando campeão daquela “queda de braço”, porque fiz a primeira comunhão e não aprendi o tal Credo. Para dizer a verdade, nunca tive orgulho disso, era como triunfar sem benemerência, prevalecendo um impertinente gosto de malogro.
Tantos anos depois, em tempos tão difíceis de pandemia, novo Coronavirus, as pessoas sentem a necessidade de se apegar a alguma coisa, sendo marcado um reencontro com o Credo. Dessa vez acabei assimilando toda a oração, como era esperado pelo padre há quase três decênios. Talvez estivesse certo quem dizia: antes tarde do que nunca! Enfim, agora pareço poder comemorar os êxitos de minha primeira comunhão e até consigo idear o semblante de contentamento do dileto sacerdote.