Pedro Pina no país da Bailandia
É sexta e está um frio presunçoso. Fui obrigado a vestir um casaco com cheiro de naftalina para não pegar friagem. Tudo que não tenho condições de pegar nessa altura. Gripe é a pior inimiga dos procrastinadores. Ela te dá um motivo plausível para deitar e só acordar para as necessidades básicas e olhe lá. Peguei meu fiel companheiro: o caderno de notas e o meu não menos importante parceiro: o quente frio de café. Aqui na Bahia fala-se quente frio e não é nenhum carioca que me fará dizer garrafa térmica. Fui saindo da minha casa naquele mesmo ritual de sempre: pegar as chaves, colocar a bolsa no ombro, recolher uns papeis quaisquer para levar comigo, descer as escadas do meu prédio- não pego elevador de jeito maneira-falar com o porteiro um bom dia chateado ou preguiçoso e, finalmente, chegar ao meu Gol Bola vermelho estacionado na vaga B12. E lá vou eu enfrentar a Paralela em uma bendita sexta pela manhã para chegar ao meu trabalho e ouvir o Donato, meu chefe, dizer que estou atrasado. É sexta...alguém, em sã consciência, chega cedo a uma redação de jornal numa sexta? Não, não. Nem venham os bandeirantes da firma me dizer que sexta é dia útil, que acabo perdendo a educação e os mandando... Enfim! Liguei meu sonzinho de leve, numa rádio política chatíssima, mas boa mesmo para despertar o peão com assuntos do tipo: Corona Vírus avança e está matando em velocidade assustadora. Ora, ora..nunca pensei que fosse sentir saudade de ouvir na rádio só assuntos de politicagem corriqueira da nossa “triste Bahia”. Bom, não se pode ter tudo e o tempo urge. O golzinho 94 ia deslizando pelas paralelas e não sei como, numa distração, quase bati em um motoqueiro que surgiu não sei de onde e ainda saiu me xingando ao modo educadamente baiano. O filho da mãe quase estrupia meu retrovisor e eu ia ter que investir uma grana que eu, óbvio, não tenho. Jornalista no Brasil sobrevive só de teimosia mesmo. Não sou nenhum Willian Bonner, minha gente! O jornal que trabalho nem consta nos mapas das grandes publicações. Mas, eu tento manter alguma qualidade nas narrativas que me proponho a por nas folhas cinzentas. De vez em quando, mas só de vez em quando, faço meio a culhão qualquer rabisco só para me ver livre do Donato. Donato, pé no saco...Depois do susto do motoqueiro, o resto do caminho foi suave e cheguei são e vivo no serviço. Bati meu ponto na recepção. Dei aquele xaveco maneiro na Milena, a mocinha que fica anotando os recados e parti direto para minha organizadamente bagunçada mesa. Nem sentei, já estava lá o corpo gordo do meu chefe plantado do meu lado. Deu bom dia você? Assim deu ele. Educação não é algo que ele use com frequência. Olhou o relógio. Como eu não estava atrasado nem dois minutos, deixou passar. Uma pena, já tava com o desaforo no fio da língua. Única coisa que fez mesmo foi dizer que eu tinha que escrever um negócio. Me mostrou um bilhete e eu cocei a mente. Por fora, sorri de leve. Por dentro, tava bem assim: que porra é essa? O filho da mãe saiu rindo da minha cara e lá estava eu, sexta feira, oito da manhã, olhando o cursor da tela em branco do word. Que Deus me ajude!
Pedro Pina
Bahia, 07 de agosto de 2020