A vida é saborosa

Soube de uma história há algum tempo. Não conto o santo, mas o milagre... lindo fiapo de história. E vou começar como começam as histórias de mentira, pra contar uma história de verdade.

Era uma vez, um armazém desses que existem nas cidades do interior. Vendia-se tudo que era pensado ou desejado. Utensílios de cozinha, itens de limpeza, comidas várias, como polvilho, pó de café, farinhas, arroz, feijão, macarrão, refrigerantes, doces e tantas outras coisas gostosas. A vendedora estava atrás do balcão, concentrada em limpar os vidros de pimenta, de todas as qualidades: pimenta malagueta, biquinho, cumari, dedo-de-moça, pimenta-rosa, pimenta-de-cheiro. Os vidros estavam muito transparentes, pois estavam bem limpos, mostrando a beleza colorida delas, em conserva. O marido da balconista ocupava-se em conferir umas notinhas, uns fiados, coisa que acho nem existir mais por aqui. O rádio estava ligado e a canção era boa de escutar. Claudicando pela calçada, maltrapilho, desdentado, chega à porta do armazém um pedinte, parando e cumprimentando: - Bom dia, moço! A vendedora, ao ouvir a saudação, levantou os olhos para conferir de quem vinha, estranhando um pouco, porque pedinte não costuma cumprimentar, já chega pedindo, fazendo cumprir sua sina. Seu marido respondeu e esperou o pedido. Enquanto isso, o pedinte pôs os olhos nas pimentas, bonitas e cheirosas. E pediu: - Será impropério pedir umas pimentinha dessas, pra eu temperar meu comezinho? É que as pimenta põe alegria na comida!

O dono da venda ficou imóvel! Surpresa, é a palavra pra definir seu sentimento. Já sua mulher, cujos olhos sabem sorrir, correu lá dentro e se demorou só um tiquinho, trazendo um vidrinho cheio de pimentas sortidas para presentear o pedinte. Esse, quando recebeu o vidrinho, disse, cheio de gratidão: - Ô, dona, a senhora me encheu de gosto! Meu coração ardeu, antes mesmo da pimenta chegar à boca! Deus abençoe!

Pôs-se a caminho, levando na mão direita o vidro de pimenta. A vendedora pôs o antebraço direito no batente da porta, encostando levemente sua cabeça nele, e acompanhou o molambo de gente até onde a vista alcançou. Com um suspiro, comentou com o marido: - Achei tão bonitinho ele querer deixar a vida mais saborosa com as pimentas!

Cassia Caryne
Enviado por Cassia Caryne em 06/08/2020
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