O QUE É UM POLÍTICO?

O QUE É UM POLÍTICO?

Na década de 70, tínhamos por hábito ir todos os sábados à sauna do Caiçara Clube, que ficava na avenida da praia, próximo à divisa de Santos e São Vicente. Tardes inteiras dedicadas à saúde e, lógico, umas bebidinhas que ninguém é de ferro. Na sauna seca, na úmida ou na área de descanso o papo rolava democraticamente com conhecidos e desconhecidos. Eram conversas de generalidades sobre os assuntos possíveis. Todos vestidos com roupões brancos distribuídos na entrada da sauna, tornavam-se iguais e a comunicação se fazia espontânea. Era época do regime militar e falar de política dominava as conversas. Como sempre, o cenário político brasileiro nunca foi dos mais transparentes e, em uma dessas conversas aconteceu o que segue. Na sauna seca, todos suando muito e falando dos políticos brasileiros que, salvo raras exceções, não são um bom exemplo de coerência, imparcialidade e probidade. O general Figueiredo e Aureliano Chaves haviam sido indicados candidatos a presidente e vice em lugar de Ernesto Geisel e o general Adalberto Pereira dos Santos, ambos da então ARENA. O MDB havia lançado um “anticandidato”, general Euler Bentes Monteiro e Paulo Brossard como vice. Além do que, tudo indicava que era um início da tão sonhada abertura política, que levaria ainda seis anos para acontecer. Mas era uma esperança, e a maioria dos brasileiros torcia para viver o fim do regime militar. Era 1978, ano de eleições gerais no Brasil. Como era de se prever, os candidatos de Geisel ganharam as eleições indiretas e no início de 1979 os vencedores tomaram posse, assim como todos os cargos políticos no Brasil todo. Voltemos à sauna.

Seguia a conversa, uns falando mal da classe política, outros dizendo que havia sim políticos decentes e citavam um ou outro governante e, como sempre, muitos fazendo gozações. Enfim, uma conversa descontraída, sem grandes paixões ou radicalismos. O debate estava no auge quando um dos participantes ergueu um pouco a voz, pediu a palavra e declarou: “-Vocês querem saber o que é um político? Pois vou contar como funciona a cabeça de um político!”. Todos se calaram e, em um clima de expectativa, ouviram o seguinte depoimento:

“- Sou médico formado aqui em Santos há dez anos, em uma das primeiras turmas. Nasci no interior da Bahia e meu sonho depois de formado foi voltar a minha cidade, que é muito pobre e contribuir, como médico, a melhorar a saúde pública local. Assim que recebi o diploma, fiz residência no pequeno hospital de minha terra, me tornei conhecido e respeitado pelos bons trabalhos que fazia e atendia a todos, ricos e pobres. Se aproximavam as eleições e eu, embora convidado, não aceitei ser candidato a prefeito. Em meu lugar foi escolhido um sujeito honesto. Em contrapartida, a partido de oposição lançou como candidato um camarada totalmente desclassificado, sem condições morais, desonesto, encrenqueiro e incompetente. Sai da minha neutralidade e participei ativamente da campanha do meu amigo, fiz discurso em carroceria de caminhão, subi em palanques, distribui material de propaganda, sempre falando agressivamente mal do candidato da oposição. Apesar de todo meu esforço e dos meus aliados, o desonesto ganhou. Parece que o brasileiro não gosta de pessoas honestas. Dias depois de o novo prefeito assumir, um caminhão da prefeitura colidiu na traseira do meu carro. Irritado por ser forçado a entrar em contato com aquele sujeito, fui à prefeitura. Já entrei na sala reclamando muito, relatando o acontecido. Fui acolhido por aquele verme de maneira cordial, que me pediu fazer três orçamentos e apresentá-los a ele. E assim o fiz. Dias depois apresentei os orçamentos, o novo prefeito analisou orientou que eu podia escolher um deles e mandar executar o conserto do meu carro. Pensando em não explorar a prefeitura, o serviço foi executado na oficina de menor preço. Concluído o conserto do carro, voltei a falar com camarada, apresentei a nota fiscal e perguntei como a prefeitura iria pagar. A resposta: -” Pagar? Quem falou que a prefeitura vai pagar? Nada disso! Eu só queria orientá-lo como proceder para consertar o carro! Você não falou de mim a campanha toda? E ainda quer que a prefeitura conserte seu carro? Nunca! Se vira!”Sai da prefeitura totalmente alterado, jurando que ia matar o sujeito. Mas, chegando a casa, olhei bem para minha família, me acalmei. Resolvi ligar para meu melhor amigo, que é de Santos, e ele me ofereceu vir trabalhar aqui. Aceitei na hora e nunca mais voltei à minha cidade.” Os políticos, como os elefantes, não se esquecem e são vingativos.

Paulo Miorim 06/8/2020

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 06/08/2020
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