Café com lembranças
Em sua trajetória, cheia de altos e baixos, curvas e desníveis na caminhada, a vida é feita de encontros. Encontros de corpos, encontros de olhares, encontros de almas. Alguns são efêmeros, outros, duradouros, outros ainda perpetuam para todo o sempre. O destino – sorte ou providência – se encarrega de ir provocando esses momentos de proximidade ao longo dos anos. O primeiro encontro é quase sempre com a mãe. Por ser tão sublime, é o mais duradouro. Depois os encontros com o pai, com os amiguinhos da escola, com a professora e tantos outros vão se sucedendo. Encontra-se por motivos diversos, ou sem motivo algum. Muitas vezes, essas ocasiões são regadas a café. “Vai lá em casa tomar um cafezinho.” – é uma frase muito ouvida, pelo menos por quem mora em cidade pequena. Oferecer um café é o maior agrado, maior demonstração de amizade e carinho pela pessoa. E há de ser coado na hora, exalando seu aroma, estimulando os paladares mais refinados.
Mineira que sou, morando em cidade pequena, também sou amante do famoso “cafezinho”. Quanta ternura há em encontrar alguém, em uma tarde amena de outono, para um café. Ou nas manhãs frias de inverno, ou em companhia da brisa fresca da primavera, ou mesmo no calor das tardes de verão. Não importa dia, nem hora, nem a companhia. Para mim, além do meu esposo, companhia de todo dia, a presença mais frequente é minha irmã Regina. Ora aqui em casa, ora na casa dela, sempre reservamos uma visitinha para o cafezinho. Coração torna-se aquecido, não só pela quentura da bebida – que ambas gostamos bem quente –, mas também pelo calor da presença, pela prosa boa, pelas lembranças que vão se formando na mente, saltando do coração e ganhando forma através das palavras. Encontros preciosos que colorem a existência de nuances inusitados e felizes.
Ternas memórias
Nas voltas da vida, minha melhor lembrança dessa bebida, no entanto, não vem dos encontros com minha irmã; vem de uma experiência com meu filho mais velho que, curiosamente, não tomava café. Época da adolescência. Reservado que era, depois que chegava da escola, estava sempre em casa. Veio então uma época em que a vida estava bem embrulhada. Com a saúde frágil, passei por um período de muita fraqueza. Mas continuava trabalhando. Contava então, ainda mais, com o auxílio dos meus filhos para as tarefas domésticas. – Digo ainda mais, pois eles sempre me ajudavam. – Na carência de uma máquina de lavar, Matheus me ajudava a lavar as roupas. Houve uma tarde, cinzenta, fria, chuvosa, em que precisávamos realizar essa tarefa. Chamei-o e disse: Vamos, meu filho! Voltei, porém, e pedi que esperasse um pouco, pois ia fazer um cafezinho primeiro. Sua atitude foi muito afetuosa. Aproximou-se tranquilamente, com seu semblante sério, e falou-me assim: “Não, mãe! A tarde está muito fria. Vamos lavar a roupa primeiro. Depois a senhora faz o café, toma um banho quente e pode descansar.” Refleti, por alguns segundos, e tive de concordar com ele. Agi tal e qual havia me sugerido. E percebi que tudo fora muito bom: sua companhia amada, auxiliando-me a lavar a roupa; o café, que desceu quente revigorando o ânimo; o banho que me aqueceu o corpo; a recordação das palavras do meu filho, que me acalorou a alma.
Assim deveriam ser todos os encontros da vida: momentos que deixam marcas felizes e alimentam lembranças luminosas. Seja um breve instante, ao cruzar alguém pelas ruas; minutos de prosa em uma praça ou outro lugar qualquer; ou uma visitinha para um delicioso e perfumado café. Deles hão de germinar sempre marcas boas, que aquecem e alimentam a alma para os momentos de aridez.
Vai um cafezinho aí!?