PRAIA DE ITARARÉ: O SURF EM SÃO VICENTE-LIVRO 1

Sem surfar há uns trinta anos, a paixão permanece exatamente a mesma.

PRAIA DE ITARARÉ, O SURF EM SÃO VICENTE

Início de 1964, Sérgio Heleno e Paulo Miorim, dois amigos nadadores do Clube Internacional de Regatas e Antonio Di Renzo Filho, nadador do Corinthians e da Seleção Brasileira, eram inseparáveis. Completavam a pequena turma de rapazes de São Vicente, Gregório Stipanich, fabricante de barcos de pesca, Carlos Detter Jr. e Francisco Rodrigues (Chicão). À exceção de Di Renzo, todos estudavam no Instituto de Educação Martim Afonso, a melhor escola pública da região na época. Miorim e Sérgio serviam o Exército no então 2º Batalhão de Caçadores, quartel da Infantaria de São Vicente e devido isso não tinham tempo para treinar, pois o serviço militar os ocupava o dia inteiro. Passaram a freqüentar diariamente, após as 16:00 horas, a Praia de Itararé para treinar Natação. Nos dias de mar bravo ou ressacas, nadar era impraticável. Aproveitaram a habilidade de nadadores e, nessas oportunidades, pegavam ondas de peito, atividade que exige bastante do praticante, pois em cada onda é necessário um “sprint”, uma arrancada nadando para atingir uma velocidade compatível com a velocidade da onda de modo a transportar a pessoa junto com a massa de água. Normalmente os praticantes utilizam pés de pato. No caso dos dois praticavam sem equipamento algum. Como a Praia de Itararé oferece vários trechos de ocorrência de boas ondas, o hábito de pegar onda transformou-se na principal atividade dos dois amigos. Diariamente praticavam duas ou três horas nos finais de tarde e às quartas feiras, devido não haver expediente no quartel, passavam o dia todo na praia. Aos sábados e domingo, Di Renzo vinha de São Paulo os três passavam o dia pegando onda. Paulo e Heleno iam ao Rio de Janeiro passar finais de semana e observavam que no Arpoador havia um pessoal com grandes pranchas e apanhavam ondas em pé. Essa observação despertou uma forte curiosidade, mas consideraram estar fora de cogitação comprar uma prancha, a princípio não levaram a sério a possibilidade de aderir à nova moda. Belo dia, Di Renzo aparece com uma revista Manchete mostrando “A nova moda da Juventude Carioca”, com as pranchas já vistas “in loco”. Sentaram na mureta do restaurante Gaúdio, em São Vicente, leram e folhearam a revista. Conversaram bastante e, ai sim, se contaminaram com a idéia de praticar a nova “moda”. Imaginaram que o surf somente seria possível em locais de grandes ondas, mas a Praia do Arpoador possuía ondas mais rápidas porém de mesmo tamanho de Itararé. Portanto não tinha por que não tentar surfar na praia vicentina. Stipanich fabricou uma primeira prancha oca que depois foi denominada “caixa de fósforos”. Estreada na Praia de Pernambuco em Guarujá, quinze nadadores acompanharam essa estréia. Foi uma grande brincadeira, foram em três carros em um dia muito frio e chuvoso. Ninguém ficou em pé em onda, pois não sabiam a necessidade da utilizar parafina. Mas Paulo, Sergio e Di Renzo não se abateram e descobriram a necessidade de aumentar o atrito e utilizaram a parafina das velas provenientes dos despachos que umbandistas deixavam na praia. Faço aqui um breve comentário sobre as “caixas de fósforos”. Foram as primeiras pranchas, antes das fabricadas em fibra de vidro, que possibilitavam flutuabilidade necessária para pegar a onda, possibilitando ao surfista uma boa sensação de realmente surfar e as manobras se assemelhavam àquelas dos surfistas de ondas grandes, os big riders, pois a prancha era pesada, com uma só quilha, grossa, tudo isso não permitia a maneabilidade das pranchas de hoje. A solução era acertar para qual lado seria a quebra da onda e lentamente dirigir a prancha. Mesmo assim, às vezes pintava um “hang Five” ou, mais raramente, um “hang ten”, um “floater”. Como todos conhecem na Praia de Itararé ocorrem ondas de, no máximo, 3 metros e muito raramente maiores que isso. O normal são ondas de metro, metro e meio. O Cine Itajubá, cinema inaugurado em julho de 1963 com o filme Malhas Negras, foi o primeiro cinema de Santos a colocar em sua programação um filme chamado Mar Raivoso, que conta a história de três amigos em visita ao Havaí e têm contato com o nobre esporte do Surf. Ao assistir o filme no dia do lançamento, 4 de agosto de 1964, lá estavam os três amigos vicentinos, na primeira sessão, às 20:00horas. Ficaram para a segunda sessão e assistiriam a película por mais uma dez vezes, sendo que DI Renzo viu o filme por exatas dezessete sessões, tal foi o “frisson” causado. Acompanharam cada manobra, pois nem imaginavam como seria a movimentação do praticante mais afeito ao surf. Até então somente haviam visto fotos. Ficaram maravilhados com o tamanho das ondas e as saídas com as pranchas voando alto. Como já tinham as primeiras pranchas Glaspac, aprimoraram sua prática. Na Praia de Itararé já havia muitos praticantes que assistiram ao filme e começaram a surgir verdadeiros talentos como os irmãos Argento, a família Fangianno, Longarina, Miro, Fernandão, Zé Paioli, Chico Paioli, Italiano e outros, muitos outros. O surf se alastrou pelas praias paulistas. Mas a sensação de descoberta e o nascimento de uma paixão sem igual, os três amigos jamais esquecerão.

Paulo Miorim 05/08/2020

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 05/08/2020
Reeditado em 09/10/2021
Código do texto: T7026853
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