PROFESSOR CÍCERO
A manhã de hoje tomou-nos todos de surpresa e de dor. Pela madrugada, enquanto descansávamos da lide do dia que se passara, nossa amiga Lourdes comunicava pelas redes sociais a partida de nosso amigo Cícero Agostinho Vieira. Sabíamos que ele havia se hospitalizado para se submeter a uma cirurgia cardíaca, mas jamais imaginávamos que os seus 89 anos estavam tão fragilizados a ponto de não virem a resistir à intervenção.
Naquela alegria de sempre que o caracterizava, decerto foi àquela sala cirúrgica, esperançoso de que retornaria ao aconchego do seu lar e aos bate-papos com os velhos amigos. Mas, sua hora estava determinada e como um pássaro moribundo que não resiste a uma tênue lufada de vento fechou os olhos e partiu, deixando os amigos e familiares num vazio imensurável.
Cícero Agostinho foi um homem que viveu intensamente sua existência de doação aos outros. Desde jovem que absorvido pelo amor cristão, que se tornou frade franciscano com o nome de Frei Olegário. Na sua congregação dedicou-se ao cumprimento dos seus votos sagrados. Até que, flechado pelas setas do Cupido trocou o hábito da caridade pelo amor do coração de uma mulher.
A rigor, porém, seu amor transformado não se modificou, pois, sendo caridade o sinônimo de amor, a caridade franciscana aguçou suas lanças com a experiência amorosa feminina, sedimentando mais ainda sua vocação cristã. Jamais Cícero desvinculou-se do Convento de Ipuarana, permanecendo fiel mesmo depois de haver contraído matrimônio, ali mantendo contatos permanentes e aonde assistia as missas, não obstante residir vizinho a uma igreja de sua paróquia.
Amigo e colega de magistério, sempre preocupado com a língua portuguesa que conhecia profundamente, dada a sua proficiência em latim, a língua eclesial e mãe do tronco neolatino. E ele ainda dizia que, maior que ele na língua latina se encontrava outro ícone da educação, o também amigo e colega Jacques Milfont, ambos protagonistas da histórica Fundação Universidade Regional do Nordeste (FURNE).
Abnegado pela educação desprendeu-se no campo universitário nos quadros docentes da Universidade Federal de Campina Grande e da Universidade Estadual da Paraíba, antigas UFPB e FURNE respectivamente. Tornou-se revisor de textos em seu tempo de aposentado, a quem muitos escritores de nossa terra submetiam seus livros à sua criteriosa revisão para a publicação.
Nosso amigo dizia que seu nome era magnífico, porque era composto de três nomes grandiosos da história universal: Cícero, o filósofo romano; Agostinho, o doutor africano da Igreja Católica e Vieira, o padre pregador português. Interessante é que esses nomes o investiam das características de seus titulares e o faziam realmente um filósofo, um doutor, um pregador.
Contribuiu bastante mesmo não sendo acadêmico com a nossa Academia de Letras de Campina Grande, inclusive quando da formação do seu próprio nome, sugerindo a substituição do termo Campinense para Campina Grande, evitando assim duplicação de nome com a Academia Campinense de Letras, da cidade de Campinas no Estado de São Paulo.
Nossos encontros eram salutares e agradáveis, quer discutindo problemas de nossas instituições locais, administração universitária, políticas educacionais, movimentos docentes, quer filosofando e teologizando a vida. Nesses seus últimos anos sua palavra de ordem era senectude, que a utilizava tanto para justificar posicionamentos assumidos com seriedade, quanto para gracejar da própria vida. Distinguia o velho do idoso, dizendo que o primeiro não tinha perspectivas e o segundo tinha projetos de vida.
Haveremos sempre de nos lembrar de Cícero, de sua simpatia, de sua alegria, de suas aulas, de suas defesas institucionais, de sua responsabilidade social, de sua solidariedade, de sua fé e esperança em dias melhores, mas, sobretudo, do professor apaixonado pela sua missão de educador, que soube exemplarmente levá-la adiante até os seus últimos momentos. Sua crença em Jesus Cristo foi seu norte sempre, a quem agora se uniu para o repouso eterno dos justos.