De pernas para o ar.

Por @andreaagnus.

A ladainha foi da varanda à cozinha, ficava difícil saber para onde ia levar o rumo daquela prosa, mas lá foram as duas em um converseiro sem fim.

— Dona Odete, desde que sua filha chegou em Icapuí a vejo de pernas para o ar. — Confessou a vizinha, com um sorriso tranquilo.

— Olhe! Minha menina trabalha desde os dezessete anos, viu! — A mãe da garota já foi toda se ouriçando e continuou — ela só não gosta dessas coisas de cozinha. Cresceu feito menino mesmo. Porém sempre foi muito esforçada.

Dona Mariana ficou tentando achar sentido entre o que ela disse e o que a amiga de porta respondeu. Para complicar mais ainda a situação, o pai da garota que ainda dormia o soninho da beleza, em plena dez horas da manhã, acompanhando o ritmo da filha que trocava a noite pelo dia, respondeu do quarto:

— Ela estava fazendo yoga na praia, bem — ele despertou entendo tudo, mesmo pegando o bonde andando.

— Sim, Farias! Ela faz yoga, natação, ciclismo e ainda é escritora. — Agora a mãe já falava bufando sozinha. Ninguém estava entendo nada. O pai levantou, foi ao banheiro lavar o rosto, fazer a barba e tirar a água do joelho.

— Cumade Odete, mas é verdade. Eu vejo sempre a menina de pernas...— a fala da vizinha foi cortada como golpe de peixeira.

— Olhe Dona Mariana! Minha filha é pós-graduada, sabia? Ela não é nenhuma vagabunda, não!

— Beeeem, como é o nome daquele asana da yoga que nossa caçula faz? — Veio uma interrogação fazendo eco do banheiro.

— O que é, Farias!? O que tem a Sara? Ninguém está falando da prima Sara, aqui a questão é outra. — Estava comprovado que entre aquelas três pessoas, sem contar com a filha que ainda espreguiçava na cama, haviam monólogos desconexos.

— Cumade, se a senhora não quer admitir tudo bem. Não estou aqui para puxar aperreio entre a gente não. Mas, eu vejo. Ah! Isso eu vejo. Sempre que vou caminhar na praia antes do pôr do sol. — A vizinha não foi convencida pela mãe e nem pelo pai, seja lá o que for que ele estava tentando dizer.

— Beeem, eu lembrei! É o asana do escorpião! — Um clarão se fez na cabeça do pai que só pegava aos trancos e barrancos, devido a bebedeira.

— Cala a boca, Farias! Lá quero saber se a prima Sara é do signo de escorpião! Para de se meter em assunto de mulher. — Gritou a mãe demarcando seu território de briga entre ela e a vizinha, mesmo sem esta última ter aumentado um decibel para fomentar aquela discussão sem propósito.

Uma porta se abriu. Do recinto saiu uma garota morena com olhos de maresia que, com um sorriso matreiro, se dispôs a responder à vizinha da mãe:

— Dona Mariana, aquela pose que a senhora viu eu fazer na praia se chama Vrishkásana ou asana do escorpião.

— Eu falei, Dona Odete... eu falei, sempre de pernas para o ar, desde que chegou aqui em Icapuí — e completou, encantada com a filha da vizinha — Ah! Meus tempos de menina para ficar assim também.

Andréa Agnus
Enviado por Andréa Agnus em 04/08/2020
Reeditado em 07/08/2020
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