Dois mil e Dezessete e a Morte de Belchior
Dois mil e dezessete tem sido um ano triste. E para quem observa a vida da perspectiva da tristeza ele está sendo ainda mais sombrio. O ano começou com o aprofundamento de uma crise política, institucional e econômica que vai ganhando contornos de crise social. O Brasil está sob o comando de um grupo de políticos-bandidos mafiosos que se apossaram do poder através de um golpe de Estado.
Até aí, tudo está dentro do escripte da história que é recheada de revoluções, golpes, contra-golpes. Faz parte do processo dialético! Mas aí vem a morte, essa inconsequente, e trata de deixar este ano ainda mais triste levando o artista, o pensador, o poeta, Belchior que ajudava a tornar tragável, suportável esse mundo infeliz.
“A morte é um doido limpando mato”, disse Jessier Quirino em um de seus causos. Ela não faz seleção, distinção, análise, nada disso! Chega e ceifa sem nenhum critério, sem lógica, sem consideração. Foi o que ela fez ao levar nosso admirado artista Belchior, um dos artistas mais autênticos e completos que já tive a oportunidade de contemplar a obra. Não quero dar contorno de verdade absoluta às loas que rendo a Belchior, mas contar da experiência que vive ao ouvir suas musicas.
Tive contato com a música de Belchior faz, relativamente, pouco tempo. Pedi a um amigo que me fizesse uma seleção musical e ele colocou na seleção algumas musicas de Belchior. Ouvi “Paralelas”, “A Palo Seco”, “Galo Noites e Quintais”, “Divina Comédia Humana” e fiquei extasiado. Quis saber mais da arte desse cantor que fazia musica com uma profundidade que eu jamais tinha visto. Do meu âmago, com todo o silencio, duvidas, inquietações, me senti representado, senti que não estava só no mundo, senti que aquelas inquietações não eram patologia e sim dores causadas por um mundo carente de sensibilidade, de amor, de justiça. Aprendi também, com Belchior a ter esperança, que podemos transcender de dentro para fora quando ouvi: “Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol, Quando você entrou em mim como um Sol no quintal, Aí um analista amigo meu disse que desse jeito, Não vou ser feliz direito, Porque o amor é uma coisa mais profunda que um encontro casual, Aí um analista amigo meu disse que desse jeito, Não vou viver satisfeito, Porque o amor é uma coisa mais profunda que um transa sensual...” tranquilizei minha alma quando ouvi: “não sou feliz mas não sou mudo, hoje eu canto muito mais...” Me senti acalentado quando escutei: “Eu estou muito cansado, Do peso da minha cabeça, Desses dez anos passados (presentes),Vividos entre o sonho e o som. Eu estou muito cansado, De não poder falar palavra, Sobre essas coisas sem jeito, Que eu trago em meu peito, E que eu acho tão bom...”
Esses e outros sons de Belchior me fizeram companhia por muito tempo, pacificou meu espírito nas horas de angustia e me despertou para a poesia, para a arte, como antídoto para muitas dores da alma. Mostrou-me que a vida deve ser profunda, mas leve, que ela pode ser triste, mas é poética também. Profunda por que tem que ser vivida com toda sua intensidade e leve no sentido de simplicidade.
Dessa forma compreendo a ausência dele, Belchior, da sena publica nos últimos anos, como um tempo para mergulhar na profundidade, simplicidade e leveza da vida. Ele não foi apenas um cantor, compositor, foi acima disso um pensador que viveu sua obra, seu pensamento. Foi autêntico, questionador! Por isso sua partida neste momento deixa este ano turbulento ainda mais triste.