Desespero II
Diógenes também vivenciou, como pessoa e como professor, a pandemia da Covid19, em que as aulas presenciais foram suspensas e substituídas por aulas síncronas ou remotas ou por aulas gravadas. Uma expressão descreveria o sentimento do Prof. Dr. Diógenes sobre essa experiência: horripilante!
Primeiro, Diógenes teve de aprender a navegar por uma nova plataforma por meio da qual os conteúdos seriam ministrados, bem como as atividades e as provas seriam atribuídas e avaliadas. Tudo novo e para ser dominado em tempo recorde. Literalmente, como consertar a turbina do avião em pleno voo. Suas aulas eram síncronas, isto é, ao vivo, com a opção irrecusável de acionar o modo de gravação da aula. E isso pode ter consequências ...
Diógenes logo se deu conta de que teria de tomar cuidado com comentários, brincadeiras etc., já que tudo o que falasse ou escrevesse permaneceria gravado como prova documental que poderia ser convenientemente empregada contra ele. Boa parte da aula perdeu seu charme e sua graça. Essa condição de produzir prova contra si também se aplica aos estudantes, mas os estudantes são clientes e nada mais é necessário mencionar ...
A parte tecnológica e operacional da plataforma mostrou-se mais suave do que parecia nos primeiros contatos. Era só se lembrar de agendar a aula, de enviar o tal link da aula aos estudantes e estar apostos no dia e horário agendados, com todo o material que seria apresentado na aula. Diógenes precisou fazer algumas alterações em seu espaço doméstico por conta de iluminação e ruídos externos que poderiam interferir na qualidade da apresentação da aula. Houve um certo sentimento de invasão de privacidade, mas que não ganhou contornos maiores devido à situação gerada pela pandemia, de confinamento e distanciamento social.
Na primeira aula o Prof. Dr. Diógenes já fez algumas observações importantes: o rendimento da aula remota é muito maior do que o da aula presencial. Um assunto que levaria 50 minutos numa aula presencial, na remota leva em torno de 30: não há interrupção alguma e, mesmo falando devagar, o tempo não passa, mas o assunto se esgota. Outra observação é de que muitos estudantes entram na sala virtual, isto é, fazem seu login no sistema, mas não assistem à aula; estão envolvidos em outros afazeres em casa: ver televisão, jantar, jogar, fazer sexo, tomar banho etc. Se existe a possibilidade de assistir à gravação, então por que estar ao vivo?
O Prof. Dr. Diógenes achou conveniente interagir com os estudantes, fazendo perguntas e solicitando respostas. Algumas poucas respostas vinham escritas, via chat, enquanto um ou outro estudante habilitava seu microfone e falava sua resposta. Mas eram casos isolados, algo como não mais do que 10 estudantes numa sala com mais de 50 presenças. Quantos estudantes estariam realmente assistindo às suas aulas preparadas com esmero e sacrifício? Vinha-lhe um retrogosto amargo de trabalho em vão, de desdém, de tempo desperdiçado, de teatrinho ...
A plataforma possui uma área para o professor disponibilizar materiais empregados nas aulas como slides, vídeos, links, arquivos etc., e uma área para atribuir atividades, com instruções e prazo de entrega. As atividades seriam avaliadas pelo docente e receberiam uma nota que comporia a média de uma das notas semestrais. O Prof. Dr. Diógenes se preocupou em propor atividades semanais fáceis, de respostas simples e rápidas, mas isso não o poupou das críticas: excesso de atividades, prazos curtos, falta de sensibilidade para com os estudantes que não têm computador ou não dispõem de internet em casa etc.
As atividades que o Prof. Dr. Diógenes recebia eram, em sua maioria esmagadora, idênticas, com os mesmos textos, a mesma formatação, os mesmos erros, etc. Ingênuo como era, achou que, se elaborasse atividades de respostas pessoais, essa cópia descarada pararia. Enganou-se, claro! Dois ou três estudantes faziam suas atividades com respostas pessoais e todos os demais entregavam os mesmos textos. Questionados sobre se haviam copiado, negavam peremptoriamente e não havia como descobrir quem copiara de quem. Também, para quê?
A plataforma permitia que um estudante enviasse sua atividade, mesmo com atraso. Alguém descobre, apenas por acaso, que na semana anterior venceu o prazo de entrega de uma atividade e trata logo de enviar o arquivo que obtém de um colega. Simples assim! Entregou e terá a nota. Cumpriu-se o ritual. Pelo menos, o networking entre os estudantes estava funcionando bem. Mas é na prova que a imaginação dos estudantes para burlar o sistema mostra que não tem limites. O Prof. Dr. Diógenes dizia para si mesmo: receba a prova, dê nota suficiente para a aprovação e livre-se de um problema. Essa era sua resposta à estratégia de burla.
Dias após o fechamento contábil das notas de avaliações e da prova, apareceram alguns estudantes reprovados alegando prejuízos por conta de problemas no sistema, queda de energia, internet indisponível, casos de Covid19 em família etc. Como saber o que é verdade? Diógenes não entendia que era sua tarefa fazer essa verificação. Se o estudante prefere ser aprovado pela via da fraude, por que impedi-lo? O mercado e a vida certamente lhe farão experimentar as consequências. Até ele próprio, consciencioso, estava sendo arrastado pelo poder da fraude ...
Mas o pior ainda estava por vir: os estudantes reprovados, além de atribuir a tudo e todos a responsabilidade por suas falhas - exceto a si mesmos – ainda responsabilizavam o professor alegando que lhe haviam enviado os materiais por outra via, simplesmente ignorada pelo professor, ou que haviam enviado várias mensagens ao professor e nenhuma tinha sido respondida. Diante do suposto silêncio do professor, só lhes restava levar o caso à Coordenação. E assim, os “réus” se transformavam em “vítimas”, como já é padrão em terras brasilis.
O Prof. Dr. Diógenes viu-se numa teia de afirmações inverídicas e precisou arcar com o aborrecimento de provar que nada ou muito pouco do relatado era verdadeiro. Uma humilhação ter de se justificar diante do Coordenador e provar que nada de errado havia feito. Ao contrário, havia concedido todas as oportunidade possíveis para que os retardatários regularizassem suas pendências. Mas diante da organização e disciplina, muitos brasileiros ainda vacilam ...
E qual era a reação do Coordenador para com os estudantes fraudadores? Ora, ao Coordenador - conhecedor do business em que se transformou a educação (com minúscula mesmo) – pouco restava senão tentar acabar com esses conflitos o mais rápido possível e, claro, declarar que o professor era soberano em todas as decisões, mas que, considerando tudo e todos, se ele, Coordenador, fosse o professor, repensaria seu modo de agir e aprovaria o estudante.
E assim, o jovem estudante merece sua aprovação, pois aprendeu uma importante lição prática: por aqui, o crime compensa! E o Prof. Dr. Diógenes carrega seu sentimento de culpa ...