Desespero I
Diógenes atua como professor há mais de 35 anos, formado pela escola do ensino-aprendizagem: o professor está motivado para lecionar e o estudante, para aprender. É prazeroso ensinar alguém que está ávido por aprender. Cada novo aprendizado é uma pequena vitória e pode ser celebrado pelas duas partes: docente e discente.
Diógenes foi forjado como professor ainda no tempo em que o professor era respeitado e valorizado. Ser professor era ser alguém distinto, com erudição, um modelo a ser observado e seguido. Ao longo desses anos todos Diógenes se dedicou a ministrar aulas para estudantes de cursos superiores de graduação e de pós-graduação, lato e strictu sensu.
As relações econômicas, políticas e sociais sofreram muitas alterações ao longo desses mais de 35 anos de atividade do Prof. Dr. Diógenes. Uma dessas alterações mais impactantes nesse tal de processo de ensino-aprendizagem foi a constatação de que o estudante, agora, havia sido catapultado à posição de cliente, e – como segue o dito popular – o cliente tem sempre razão. Essa postura veio como corolário da transformação da educação em business.
Diógenes notou que o aluno virou cliente porque paga pelos estudos; o aluno gera receita para a escola. O professor, ao contrário, é despesa para a escola. E isso não se aplica apenas às instituições ditas particulares; as públicas também seguem esse lema, pois precisam apresentar resultados comprovando elevadas aprovações e diminutas evasões: são os tais resultados pedagógicos que publicados, produzem efeitos políticos altamente desejáveis.
Também não escapou à percepção do Prof. Dr. Diógenes que não era prudente para um professor se envolver em discussão com aluno. Diógenes tinha sempre de se lembrar de que o aluno é cliente e o cliente não pode ser contrariado. Por quê? Porque é regra do business!
Por outro lado, outra descoberta de interesse que o Prof. Dr. Diógenes fez, foi constatar que é perfeitamente possível manter uma relação aprazível com seus estudantes, se lhes garantir presença e nota suficientes para serem aprovados, independentemente do que tenham feito ou produzido. Afinal, as aulas são teóricas, maçantes, sem conexão com o mundo real ou atual, mas necessárias para se cumprir o ritual de anos para conseguir colar grau.
Os tais “trabalhos” ou “projetos” que os professores costumam sapecar nos estudantes são produtos estranhos: o estudante não quer fazer o trabalho, nem o professor quer lê-lo e anotar comentários. Gera-se algo que ninguém quer, apenas para cumprir um ritual e poder comprovar que se está ensinando e que alguém está aprendendo. Tudo mera ilusão: o professor acha que está fazendo o seu melhor e o aluno acha que está fazendo o seu melhor. É essa ilusão oca que permeia uma cultura que valoriza o diploma em detrimento do saber e do saber fazer. É um teatrinho em que cada personagem sabe o que fazer e como tudo termina; basta seguir o roteiro.
O querido Prof. Dr. Diógenes vivenciou dois momentos marcantes - AC e DC -, e viu desaparecerem livros, cadernos e canetas. Qual é o estudante que assiste às aulas fazendo anotações com sua caneta, em seu caderno e consultado um livro seu ou da biblioteca?
O estudante está na sala com seu celular verificando suas mensagens, assistindo a vídeos, ou jogando. Vez ou outra tira uma foto da lousa para deixá-la esquecida na galeria. Não raro o estudante chega atrasado, faz um intervalo extenso e sai mais cedo porque há coisas muito mais interessantes acontecendo em qualquer dos bares no entorno da faculdade.
O Prof. Dr. Diógenes sabe que a maioria absoluta de seus estudantes é composta por analfabetos funcionais que não foram preparados para pensar nem para organizar ideias, não conseguem contrastar nem comparar ações ou relações, não sabem se expressar por escrito nem conseguem entender minimamente as relações apresentadas em um texto simples. Não conseguem solucionar problemas simples do dia a dia porque não conseguem entender o que é para ser feito. Não foram treinados para nenhuma dessas habilidades cognitivas fundamentais.
E o que faz o Prof. Dr. Diógenes para manter um padrão mínimo de saúde mental numa situação dessas? Bem, projeta suas apresentações e conversa com a sala, em tom solene, calmo e valoroso. Dá especial atenção aos dois ou três estudantes interessados – sim, sempre os há! – e, no mais, conversa com as paredes, com os aparelhos de ar-condicionado ou com os ventiladores, com o computador e seu projetor, ou ainda, com as luminárias. O quadro de avisos geralmente responde impassível aos estímulos do professor.
Não cabe mais ao professor repreender um estudante por estar ao celular ou por atrapalhar a aula. Isso pode gerar ressentimentos no estudante-cliente que podem redundar numa reclamação contra o professor que será, necessariamente, rotulado de não ter habilidades de classroom management. Em muitas instituições isso leva à demissão do professor, mesmo porque se pode contratar um novo professor com salário (bem) inferior ao que acaba de ser demitido. Parece ser uma boa estratégia num ambiente de business.
O Prof. Dr. Diógenes, no passado, se perguntaria sobre como ficam as exigências por qualidade ou pelo saber fazer na vida prática ou pela empregabilidade ou competitividade na carreira. No passado! Hoje ele já aprendeu que essas exigências são impregnam a teoria, os manuais, os folders publicitários, os documentos que vagueiam nas secretarias e no ministério da educação. As universidades, com exceções pontuais, se converteram em fábricas de confecção e entrega de diplomas para todos os graus: graduação (licenciatura, bacharelado ou tecnológico), mestrado e doutorado. E o que o estudante faz com seu diploma? Bem, isso já não é mais preocupação da universidade. Afinal, o estudante-cliente, agora, é egresso.
E o Prof. Dr. Diógenes se lembra dos programas de acompanhamento dos egressos, das comissões próprias de avaliação institucional, das ações de ensino, pesquisa e extensão universitária: produzem muitas informações, algumas certamente relevantes, mas que redundam em resultado zero em termos de ações concretas na instituição. Como os ombudsman ou ouvidores no Brasil: existem em algumas organizações porque convém que seja assim. Trabalham para produzir informações relevantes, mas não alteram nada de significativo na rotina da organização. Coisas para “inglês ver”? Não! Para brasileiro ver!
E o Prof. Dr. Diógenes, desencantado com a educação praticada há décadas no Brasil, segue desmotivado, desesperançado, fazendo o que abraçou como missão: dedicar-se aos dois ou três. E, quando isso for insuficiente, volta-se às paredes, aos aparelhos de ar-condicionado ou aos ventiladores, ao computador e seu projetor e ao quadro de avisos. Afinal, o que mais a educação brasileira espera de seus profissionais?