OS PRIMEIROS JUNQUILHOS


Precoces, abriram-se em nosso jardim os primeiros junquilhos.
Acanhados, modestos, quase imperceptíveis. Donos, porém, do mais aquinhoado dos aromas.
Recostado no muro, eu divagava na tarde diante da rodovia movimentada à minha frente.
Embarcado numa lufada de vento, aquele cheiro nostálgico ia aos poucos arremessando-me aos quintais de minha pré adolescência.
Veio-me à lembrança :
Agosto a pique !
Pereiras, glicíneas, azaléas em flor...
Uma visão do paraíso feito pano de fundo à singeleza daquela casa em que morei um dia, com sótão e janelas arredias espiando a pasmaceira de dias iguais.
Rasteiros, no entorno de cercas de ripas , os junquilhos eclodiam em touceiras espargindo a delicadeza de seus cheiros insinuando-se meninos de recados da primavera que avizinhava-se.
Diferentes do burburinho de hoje, aquelas tardes eram entretecidas de silêncios.
Silêncios que se quebravam em miudinho ao zumbido de abelhas pelo arvoredo, um e outro galo cantando dolente pela vizinhança e, vez e outra, algum rádio sintonizado nas emissôras da capital.
[ Costumava ouvir a rádio Independência de Curitiba , encantado com a frase de efeito proferida por um determinado locutor:
"Tarde de sol em Curitiba ! Núvens preguiçosas passeiam sobre o edifício Asa"]
Em pensamentos eu viajava, criando mil cenários sobre a cidade que não conhecia e o mencionado edifício.Quando os conheci, percebi uma certa frieza na ponte que separava-me do imaginário à realidade.
Um dia cruzei uma outra ponte:
Aquela estendida sobre as águas púberes do tempo. Inevitável era chegar ao outro lado.
Foi prazeroso atingi-lo. No entanto, o menino que deixei entre os junquilhos de agostos distantes ficou acenando em opaco do outro lado do rio e persegue-me ainda ,por mais que eu tente desvençilhar-me de sua companhia.
Persegue-me nas lembranças de ternuras antigas, no encantamento do simples daquele mundinho que a modernidade insiste em soterrar.
É persistente ! É chato ! Um xarope !
Persegue-me, alcança-me, fala-me sem cessar...Por vezes toma a minha mão e, olhando-me de soslaio , desdenha num risinho maroto, desta minha cara sulcada de janeiros, destes meus cabelos grisalhos...
Pior é a constatação de que neste meu coração de manteiga ainda lhe satisfaço todos os desejos.Até tomar papel e lápis, retroceder no tempo a acompanha-lo naquela calçadinha de tijolos desbeiçados e rabiscar entre os canteiros uma de suas memórias pueris quando acompanhado da mãe, visitava dona Angelina,uma amiga da família:
Era um começo de tarde,num domingo qualquer e o pirralho encantara-se com suas " visões de menino ":
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Então...
"Os primeiros junquilhos do mês de agosto
Abriram-se para os jardins de Angelina.
A primeira visão aos olhos da nona
Fez pulsar bem mais forte o coração italiano.
Ela ensaia um louvor...Um aceno ao céu...
Elevam-se os braços, ergue-se a voz.
[Madona !...Ma que belo !...]
E toma as flores na concha das mãos.
Da varanda Judith a cena aprecia...
Azul o vestido,de ouro os cabelos,no verde dos olhos
faíscam estrelas !
Há festa na aldeia, reluz a igrejinha.
Passeiam ao vento ecos de acordeon.
Judith se alegra. Quermesse lhe espera.
Prende-lhe a nona, atrás da orelha,
Precoces junquilhos dum agosto distante...
A brisa sacode em azul e dourado
Na tarde festiva que ao sol incendeia
E a moça bonita em passos altivos
Espalha seu cheiro na estrada d´ aldeia."


Aí só me resta meditar:
Meu Deus ! O que eu não faço por este menino chato ?