PAULINO LIMA

Hoje eu não queria escrever, literalmente não iria escrever, não por mim mas sinto que faço para pessoas erradas, não é uma época boa para memórias, autobiografias, sermões e falar de filosofia (coisa que ninguém entende). Há tantos manuscritos nas gavetas, tomando pó e esquecimento, e hoje a casa anda quieta, vinho em 12 graus, etc... mas hoje o gole foi de realidade, por se manter vivo e sereno mas ainda insignificante como uma pedra, porém feliz... pela pedra não ter tarefas enfadonhas como a do homem que tem que lembrar aniversários. Tem que lembrar se não as pessoas ficam tristes, tristes por elas em meio a você, bom vou ao relato.

Precisava de jornais para realizar artesanato e, me toco que as bancas daqui há de achar quase tudo; menos jornal. Indo a outras bancas avisto um "conhecido" muito próximo - daqueles que chamamos pelo apelido e não sabemos o nome verdadeiro mas, que sempre se cumprimenta e para 5 ou 10 minutos para prosear. Após a conversa já partir para se vai chover hoje ou não seu Paulo me convida ir em sua casa, pegar jornais porque tem de monte para sua criação; casal de Periquito-australiano.

Ofereceu café - e vi logo que na mesa e a casa toda bem arrumada era rodeada de livros, canetas, anotações e cadernos abertos. Seu Paulo que na verdade aquele dia descobri que era Paulino Lima: graduado em Teologia, falava Latim, Espanhol, lia em Hebraico e tocava violão. Poxa, sempre o via bebendo, jogado em bares, mal arrumado e fedendo a pinga, como esse cara era mais letrado que eu - que uso óculos ocasionalmente, visito sebos, vou a cafés literários e ouço Vivaldi assistindo Scorsese. Ah, meus amigos, a biblioteca de seu Paulino que tinha por volta uns 38 anos era maior que a minha, que escrevia regularmente para revistas, coisas da vida e da felicidade da pedra, que não é nada.

Estante cheia de livros, na mesma hora entrou uma linguagem formal em sua língua, gestos, falava da bíblia, um ignorante falando da ignorância do homem, vi seu diploma, sua letra (eu nem julgava que sabia escrever), e tinha vergonha quando era visto por muito tempo com ele; vai que me chamariam de "bebum"... por andar com um. Engraçado que ali aprendi, nunca foi tão inteligente ir atrás de jornais e de conversas - reparei que seu Paulino quando mencionava as coisas que tinha feito, no tempo do seminário, aulas, liderança pastoral; ficava cabisbaixo, olhos tristes. O emprego atual dele é serviços gerais, vive de aluguel e dois filhos não moram contigo. Estava sem emprego e provável que não viveu sua lenda pessoal, o que trata o livro O Alquimista (1988) de Paulo Coelho que pelo céu e a terra era minha leitura do mês, juro! Tudo bateu para entender melhor o que é sonhos e o que a vida pode fazer para nos aproximar dele ou não.

A cachaça tirou o rumo de sua vida, as oportunidades, amigos comum que eu e Paulino temos sempre comentavam isso, o chamam de louco por recitar poesias após ficar bêbado, mas em casa, na escuridão da noite ele é ele mesmo, estudando a bíblia ou talvez lembrando o que já foi, se é feliz ainda ou apenas suporta sua existência. Uma lição e tanto para minha consciência - que pensa ser grande e finita e não é, penso que sei muito e não sou nada ainda. Mas o homem está fadado a sempre julgar seu semelhante; fazendo pensamentos de ruídas quando volta seus olhos as vestes, enxerga apenas a carne e sempre conversa do assunto o qual é proveniente da mesma peça de roupa sua. A felicidade da pedra. A concretude de não existir e ser vista, por último, com jornal na mão e meio sem graça eu o cumprimento me despedindo, agradeço as portas abertas de sua casa e marcamos de ir no Sebo do Messias. Paulino é grande demais e me fez perceber o quanto sou pequeno e quero me mostrar aos demais grande. Por isso escrevi hoje, para retratá-lo e de alguma forma o eternizar, um dia alguém liga essa crônica com o verdadeiro Paulo/Paulino e nesse dia sentaremos e vamos conversar o quanto a vida nos prega boas peças.