EDUCAÇÃO TEC(NO)LÓGICA
“Oh, que saudades que eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida...”. Talvez, esses versos não façam sentido para as crianças de hoje, haja vista que, muitas delas, não terão lembranças da infância, porque essas crianças são miniprojetos de adultos e estão sendo moldadas para tal, desde a mais tenra idade, influenciadas pelos brinquedos que a tecnologia criou, e que lhes tira a liberdade de viver a infância, sem a influência de um programa criado para hipnotizar, e levá-las ao mundo virtual, ou seja, que lhes tira a autonomia para enfrentar problemas reais, uma vez que no mundo virtual os problemas são solucionados com apenas um click.
É assim que age a Tininha, de apenas quatro anos, que possui um “arsenal” de equipamentos tecnológicos, a que todos chamam de “brinquedos”, mas que não precisam de mais nada, a não ser apertar botões para funcionarem. Eu nunca brinquei de apertar botões. E, com essa idade, nem televisão havia na minha casa. A TV só fez parte da família quando eu já estava com nove anos. E quem apertava o botão de Liga e Desliga eram meus pais. Criança não mexia para não estragar. Brincar, hoje, resume-se a aprender a apertar botões!
Lembrei-me, ao analisar as crianças com quem convivo, das tardes de brincadeiras de roda, de pega-pega, de fazer bodoque, peão, carrinho de rolimã, brincar de casinha, pular amarelinha, fazer piqueniques, tomar banhos de rio. E olha que eu era hiperativa, e nem tratamento tinha! Passei por isso também, como o tratamento da “varoterapia”, a Psicologia adotada pelos meus pais, à época, para tratar problemas de travessuras em excesso e indisciplina.
O Catecismo era uma tortura e, para fugir da decoreba do livrinho com cento e tantas questões, repetidas durante todo o ano
As saudosas lembranças de quem tem mais de cinquenta anos que, na infância, tinha uma única preocupação: a surra que levaria se aprontasse alguma coisa, considerada errada pelos adultos, é claro, porque criança não distingue o certo e o errado, o perigo ou a segurança, só deseja se divertir, são fragmentos que ajudaram a formar o caráter e a personalidade dessa geração com brio, que não se encontra na geração atual. São crianças criadas para serem protegidas, e não para enfrentar e superar dificuldades.
Vejo que os filhos das minhas amigas são pequenos robôs, seres tecnológicos, programados e educados pela TV, pelo vídeogame, pelo computador, pela internet e por uma infinidade de brinquedos eletrônicos, que já vêm prontos, inibindo a criatividade de muitas delas; e de outras, nem despertando. Por isso, o prazer desses pequenos centra-se em desmontar os brinquedos. E eles ficam tão fissurados por essa avalanche eletrônica que têm até seus horários programados, de acordo com o que querem ver em cada meio de comunicação.
Sem falar no celular, que é a “febre” do momento em se tratando de diversão digital, com Androides, iPhones, iPads, e outros que nem sei nomear, porque o chip da tecnologia não vinha instalado em meu cérebro na infância. O celular vicia mesmo e, até eu, depois que me inseri no mundo tecnológico, tenho que me controlar para não exagerar. Só me imponho limites porque sei que esses aparelhos causam transtornos constantes devido ao seu uso excessivo e inconsciente, mas às redes sociais nem um adulto consciente como eu resiste!
É claro que as novas mídias têm seu lado positivo, uma vez que essas crianças estarão melhores preparadas para o mundo ao qual estão inseridas, que lhes exigirá conhecimento e experiência na área tecnológica. Mas, e a infância? Esse tempo tão curto da existência humana, da qual temos tantas recordações e que passa num átimo... se não for bem vivida gerará traumas futuros. Adultos mal resolvidos, com conflitos psicológicos e de relacionamento, porque pularam uma etapa de sua formação, atendo-se a atividades de adultos, trancafiados em frente ao computador ou fissurados pelo celular.
Alguns pais, querendo ocupar o tempo livre de seus filhos, ainda os matriculam em cursos de música, computação, caratê, inglês, e outros, para fazer com que eles aprendam tudo, ao mesmo tempo, não lhes deixando tempo para as brincadeiras próprias da idade. E servindo de escape para que eles próprios tenham um tempo livre, ao chegarem cansados do trabalho. Assim, a educação é transferida para os equipamentos eletrônicos e os sentimentos vão dando lugar ao mecanicismo, distanciando pais e filhos e extinguindo o diálogo, criando indivíduos insensíveis e ensimesmados.
Eu tive uma infância livre, sadia e divertida, com brincadeiras simples, que liberavam a espontaneidade e a criatividade e me preocupo com essa geração da era tec(no)lógica, que robotiza crianças e adolescentes. Só espero que essa obsessão pelos equipamentos eletrônicos não os impeça de, quando adultos, terem belas recordações de sua “infância querida”.
Cleusa Piovesan
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