Cachoeira de Aquário
- Eu não preciso de homem pra nada. Na verdade, eu não preciso de ninguém além de mim mesma. – Eduarda falou, sentada na ponta da escrivaninha.
Não falei nada.
- Olha só, meu bem. Eu não presto pra estar com ninguém. Não sirvo pra ser amada. Nem pra andar de mãos dadas. Então não me coloque nessa posição.
- Por acaso eu coloquei?
- Eu só estou avisando com antecedência.
- Que sensível da sua parte.
- Sarcasmo?
- Não. Não mesmo. É bem melhor que você que tenha falado agora, do que ter se feito de desentendida depois.
Ela saltou da mesa e caiu no chão na ponta dos pés.
- Eu não preciso de pessoas me dizendo o que fazer e não fazer com minha vida e com minha liberdade. É cansativo demais pra mim.
- Nunca passou por minha cabeça dizer o que você deve ou não fazer.
- No começo todo mundo fala isso, mas no fim as coisas mudam.
- As coisas mudam sempre. É o natural da vida.
- Mas eu não mudo. Eu sou como uma cachoeira. Estou sempre fluindo, mas sempre no mesmo lugar.
- É uma analogia esquisita.
- É?
- Nunca ouvi nada parecido.
- Você não precisa entender, basta respeitar.
- Bem. Não sei onde essa conversa vai levar...
Ela deu uma volta pelo quarto e parou na minha frente com as mãos na cintura.
- O que você acha de mim?
- Você é diferente, Eduarda.
- Só isso?
- Você é a aquariana clássica. Com todo esse papo de liberdade, de ter tudo sob controle e ao mesmo tempo tem algo em você que eu não entendo.
- Tipo o que?
- Eu não entendo aonde você quer chegar. Você anda pelos bares e pela vida das pessoas, você beija, bebe, fuma e nunca dorme onde se deita. Parece que nunca descansa. Nunca para de procurar sabe-se lá o que. Nunca sei se vou te encontrar até que você aparece. E você nunca fecha a porta quando vai embora. Você tem o ar de quem anda escondendo alguma coisa.
Talvez até de si mesma.
Eduarda sentou na beira da cama e passou a mão pelos cabelos que estavam presos e me olhou com os lábios presos entre os dentes.
- Não quero mais falar sobre isso. – Ela falou finalmente.
- Justo. Está tudo bem.
Ficamos calados por tanto tempo que eu quase senti a temperatura do quarto caindo diante do gelo que se formou entre nós dois.
- Você tem outro travesseiro? – Ela perguntou, enfim, quebrando o silêncio.
- Não. Só tenho um.
- Só consigo dormir com a cabeça num travesseiro.
- Se você for dormir aqui, pode ficar com o meu. Eu não faço questão.
- Você é um doce, bebê.
- Quem não me conhece que me compre. – Falei.
Eduarda se deitou na cama com a barriga pra cima e as pernas ligeiramente abertas.
Esticou os membros e abriu um sorriso diferente de todos os outros que eu já tinha visto vindo dela.
- Você tem hora pra acordar amanhã? – Ela perguntou.
- Não.
- Que bom. Adoro esquecer que o relógio existe. – Eduarda falou, desligando o celular.
- Não esperaria nada diferente vindo de você – Respondi, enquanto fechava as cortinas.