Construção de um sonho
Por Airton Soares
A vizinhança sorria à-toa. Naquela ruazinha, ia ser erguido um luxuoso prédio. Amélia, sempre sonhadora, também sorria à-toa. Antes mesmo de o material chegar ao canteiro de obras, já preparava terreno para convencer o pai a comprar um apartamento financiado, o que era difícil.
Baixa esse fogo, menina! Ponderava seu Alísio, cinqüentão amadurecido pelas provações do dia-a-dia.
Nem toda novidade é salutar – dizia ele – a idéia de que somente é bom o que é novo tem levado muita gente ao infortúnio. Não saio da minha casa para morar num “pombal”.
Argumentos e argumentos e argumentos... Amélia não se dava por vencida. Mas pai, o senhor tem que entender que um apartamento oferece mais segurança, menos trabalho.
Ia citar a palavra status. Lembrou-se da ojeriza do pai por tal expressão. Continuou seu dilúvio de argumentos. Se mamãe fosse viva, tenho certeza de que já o tinha convencido a sair dessa casa
velha e empoeirada.
Isto fez com que ele retroagisse no tempo. Quando imaginava, remoía
lembranças. Duas lágrimas denunciavam suas tristezas. A época do namoro na praça da Matriz, as briguinhas enciumadas, filhos, problemas... Hoje, como uma árvore velha, apenas presa à terra, vegetava.
Suas lembranças não permitiam aceitar de pronto o pedido da filha.
Por favor, o senhor rubrica todas as vias do contrato e assina no verso. Não esqueça de...
Enquanto a imobiliária dava as devidas instruções, o sr. Alísio viajava através das saudades. Ah! Saudades, lástima solene e pungente da ausência. Dorzinha miúda, disforme se esparramando na alma da gente.
Nutria-se de íntima tortura. Fechava os olhos para a realidade, mas não para as recordações as quais são o único paraíso que não podia ser expulso.
A vizinhança continuava sorrindo à-toa. Naquela ruazinha, ia ser erguido um luxuoso prédio. Amélia, agora solitária e só, desta vez não sorria, apenas diariamente, de seu apartamento, olhava inerte a demolição de uma casa velha e empoeirada.
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que DEUS nunca ME LIVRE dos livros!