DIA DOS NAMORADOS
Prospectos de Dia dos Namorados condenam a solidão como se ela fosse um câncer a ser extirpado, esquecendo-se de que estar sozinho não significa solidão. Há um apelo midiático para o acasalamento, mas não por augúrios de felicidade aos casais, mas pelo consumidor que eles significam. Pessoas apaixonadas gastam, insanamente, compram o que não podem pagar para agradar o ser, objeto de seu desejo e de sua devoção, como se o símbolo que um presente representa fosse mais forte que o sentimento que os une.
A inversão de valores da era moderna não tem mais limites, nem contenção. A propaganda é mais forte que o produto anunciado, até no caso do amor. O tão afamado dia possui significados e dias diferentes em muitos países, mas o objetivo é o mesmo: presentear o ser amado, bajular, com as mais variadas intenções. E aos que estão "sozinhos" resta o abandono, o isolamento, a introspecção, condenados por sua suposta "infelicidade", que não, necessariamente, exista, mas, sendo o homem um ser gregário, quem opta por estar sozinho, não segue a manada. Logo, torna-se a "ovelha desgarrada", sendo excluído até por amigos que encontraram seu "par". Até o comércio os abandona.
Ninguém ainda pensou em criar o Dia do Amor Próprio, que tenho certeza, alavancaria as vendas em tempos de decepções amorosas e de crise econômica, como um foguete indo ao espaço. Em termos práticos, é um nicho de mercado não descoberto. A maioria dos "solteiros" não é "solitário", é um ser livre, que fez essa escolha, na contramão do que se chama normalidade e que investe em si mesmo, em seu conforto pessoal, em seus prazeres individuais, tanto quanto quem está num relacionamento.
O ser ou estar sozinho permite escolhas, permite autonomia, permite beber a individualidade sem barreiras ou cobranças. Permite amar a si mesmo, condição sine qua non para amar o outro. Mas o solitário incomoda aos seres que estão acompanhados. Não raro esses seres procuram promover encontros às escuras, fazem conchavos amorosos, até arranjos matrimoniais para "desencalhar" o amigo que está sozinho, pois vem na solidão a infelicidade. Deve ser o instinto de preservação da espécie movendo-os a tais atitudes, porque ainda há a cobrança de se ter um filho, não importando o estado civil. Quem não tem filho, por destino ou opção, também entra para o rol dos infelizes.
Quem incutiu a ideia de felicidade agregada à companhia, certamente, não previa a evolução do pensamento humano a tal ponto de o homem bastar-se a si mesmo, de valorizar o que se chama liberdade irrestrita, de ter autonomia e viver sozinho, ou solitário. Talvez o isolamento social provocado pela pandemia comprove minhas ideias!
Cleusa Piovesan
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