Viajar

Viajar pode ser mesmo fascinante. Conhecer novos lugares, novos costumes, eventualmente novas línguas, fazer novas amizades, tudo isso é muito bom. Além disso, sair da rotina, dar as costas a pequenos e grandes aborrecimentos, adiar algumas decisões, mesmo às custas de um investimento que pode ser arbitrariamente alto, as vezes até uma longa dívida é assumida, tudo é compensado com novas paisagens, quilómetros-luz da sua vidinha diária.

Tenho viajado razoavelmente bastante e sou testemunha de que tudo isso é mesmo verdade. Mas acho que tem um certo exagero no valor atribuído a viagens. É claro que há viagens e viagens, mas, de um modo geral, um valor excessivo é dado a qualquer uma delas. Se, para o turista muito viajado, apenas paraísos distantes e desertos podem ser atrativos, para o turista emergente uma viagem a Praia Grande pode ser a realização de um sonho antigo e nunca realizado. O fato é que, cada um a sua maneira, parece apostar sua felicidade na realização de viagens.

É comum ouvir que a maior razão para se guardar dinheiro, ou seja, economizar, é para poder viajar no futuro. Entendo que é importante ter planos e metas; faz parte da vida almejar sempre. Só assim suportamos a rotina, damos sentido à vidinha muitas vezes sem graça que levamos. É interessante perceber, no entanto, que muitas vezes a viagem não é lá essas coisas, afinal, quando a expectativa é alta, a decepção sempre é garantida e maior. Mas, independente disso, o viajante padrão sempre volta enaltecendo a viagem que fez, o lugar que visitou, os bindés que comprou. E memo achando que foi uma tolice aquela viagem, já no ônibus, avião ou carro, na volta, faz planos para o próximo destino.

Tudo o que o viajante não quer é admitir o fracasso da viagem. Em primeiro lugar, aos olhos de quem ficou, ficaria parecendo um otário se confessasse que aquela viagem tão propagada e tão cara foi um fracasso. Em segundo lugar, despertar a inveja em terceiros é parte dos planos de viagem; dá uma sensação de superioridade, e isso é bom. Por último, não seria bom alimentar essa sensação de frustração, pois ela poderia fazer com que outras viagens não fossem desejadas, o que causaria um vazio enorme.

Se para as minhas férias ou minhas fugas eu não penso em viajar, penso em quê? Além disso, para muita gente, como alimentar as fotos das redes sociais, se não houver lugares interessantes para registrar e postar? E não basta que seja uma foto do lugar, tem que ser uma selfie no lugar. É preciso provar que estava lá, pois poderiam pensar que aquela foto foi obtida de algum site. A selfie prova muita coisa, aliás. Prova tanto a autenticidade da sua viagem quanto seu egocentrismo, sua vaidade, seu exibicionismo, sua imaturidade, etc. Se cada um es perguntasse, antes de postar uma selfie, quem está de fato interessado em saber onde estou nesse exato momento?, no máximo iria enviar a foto para duas ou três pessoas, muito provavelmente seus parentes próximos (pai, mãe, filho), e olhe lá! No fundo, no fundo, a impressão que tenho é que esses posts têm mesmo o objetivo de produzir inveja. E até produzem! Quem não gostaria de estar ali naquele paraíso ao invés de estar bisbilhotando a rede social por falta do que fazer de melhor? As viagens então produzem isso e alimentam esse sentimento nada-a-ver no viajante. E a inveja não pode resultar em coisa boa mesmo. O que colherá de bom aquele que se exibe nas suas viagens? Admiração, aumento de autoestima, muitas curtidas? Tudo isso é interessante, mas meu ponto é: não é efêmera a felicidade das viagens?

Dizem que quanto mais se viaja e conhece lugares diferentes, mais iguais eles vão se parecendo e menos surpreendentes vão se tornando. Logo, a frustração tende a aumentar. Ora, justo quando seu eventual sonho de conhecer o mundo todo pode se tornar realidade, você vai achando tudo muito sem graça? Deve ser por isso que o turista de Praia Grande pode ficar muito mais feliz do que você. Praia Grande pode ser a porta para o mundo, o primeiro e, portanto, mais surpreendente lugar diferente entre os infinitos que existem para encher seus cadernos de próximas viagens. É sua primeira fuga temporária da sua realidade, e você provou esse gostinho e adorou. Praia lotada, areia quente e água poluída, nada disso você conhecia, um mundo novo se apresentou a você. Não importa como ele é, o que importa é que você foi capaz de vê-lo, e poderá descrevê-lo e falar sobre ele. É seu novo conhecimento de mundo, e você se tornou outra pessoa.

Viagens proporcionam isso. Cada uma e para cada um à sua maneira.

(23 Janeiro 2015)

Anelê Volpe
Enviado por Anelê Volpe em 28/07/2020
Reeditado em 28/07/2020
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