Sonhos
Sonhos. Esses, de desejos. Todos têm, certo? Errado. Não me lembro de ter um sonho. Pelo menos não um que mereça esse nome. Porque sonho que é sonho é grande, é bom, é difícil de acontecer e é desejado ardentemente. Eu nunca desejei ardentemente nada, e muito do que desejei, eu realizei. O que não realizei esqueci sem sofrer por isso.
De certa forma, invejo os que têm sonhos. Eles dão uma força, um certo ânimo para seguir em frente, um prazer antecipado da realização. É como se nem fosse preciso realizar, o próprio esperar já dá prazer. E a não realização não diminui tudo o que se ganhou com a luta e o sacrifício, o orgulho por ter perseguido algo e lutado por isso.
As coisas que realizei não demandaram tanto sacrifício assim. No final, há a alegria do alívio, do final, mas não do sonho realizado. Seria porque eu ajusto meus sonhos à realidade? Os pragmáticos fazem isso, constroem seus sonhos de acordo com a realidade. Dessa forma fica mais fácil realizá-los, é claro. Não precisam lidar com frustrações. Acredito que a maioria não constrói sonhos, é fisgada por eles. Pelos maiores, mais bonitos, mais impossíveis. Às vezes nascem com eles; outras vezes os recebem de herança de parentes, e os assumem como se fossem verdadeiramente seus. E que seria mais feliz com seus sonhos, os que os adequam à sua capacidade de realizá-los ou os que os sonham livremente?
Ainda acho que sonho que é sonho deveria surgir do nada, sem censura, sem barreiras, sujeito a toda loucura, a todo desejo. Se for dos bons, dos que valem a pena, será perseguido até que seja realizado ou que seja descartado. Se não merecer esse nome, logo será esquecido. Já sonho construído sempre é esquecido, mesmo quando é realizado. Como os meus.
Queria ter uma história assim pra contar: desde criança queria X e tudo caminhava para eu não conseguir. Mas lutei, briguei, planejei, até que finalmente consegui. E lutei tanto que, mais do que X, consegui XXX. E hoje sou uma mulher realizada, pois esse X me fez crescer como ser humano, me fez conhecer pessoas especiais, me trouxe a felicidade. Ou então: na minha luta por X percebi que o mais importante era Y, que eu já havia alcançado há muito tempo. E quando isso ficou claro para mim, deixei aquela busca incessante e me senti realizada. Não tenho esse tipo de história. A minha não é assim tão interessante, embora tenha construído muita coisa, sim. Mas, se nem a mim essas realizações despertam interesse, quanto mais para os outros!
Já o sonho realizado não depende de grande feitos para despertar emoções. Um diploma, um casamento, um filho, coisas corriqueiras, mas que quando são sonhos de alguém, tornam-se histórias fantásticas.
Nesse exato momento me ocorreu que se, nos anos que me restam, eu pudesse me dedicar a escrever com esse mesmo prazer de hoje e, ainda por cima, ser lida, acho que lá no final da vida eu diria que teria realizado um sonho. Sim, porque esse desejo algum dia foi meu sonho, mas deixou de ser quando o afastei sem dó nem piedade de minha mente. Quem sabe se, retomado agora, não ganha status de sonho novamente. Certo é que perdeu muito do charme de sonho: não seria mais uma questão de ser uma escritora famosa e bem-sucedida; não consigo mais me afastar da racionalidade. Mas, dos sonhos verdadeiros, mantém o to de exigir de mim alguma luta. Teria de lutar pela coragem de me expor, de encarar as reações, as decepções. Tenho também, o receio de querer desistir no meio do caminho. Hoje prezo minha liberdade e novos compromissos me assustam. Precisaria decidir qual é o mais forte, o meu sonho ou minha liberdade atual.
Não seria essa dúvida um sinal de que não se trata de sonho? Sonho que é sonho não é perseguido cegamente, afinal? Escrever quando quiser, sobre o que quiser, o quanto quiser. Que seja esse meu sonho, e então eu não sacrifico nada. Escrever apenas. Ser lida, só se possível, sem precisão. E então, sonho ou simplesmente prazer ou qualquer outra denominação, não importa, já está se realizando. E no futuro vai virar uma história. Interessante, ou não, quem se importa?
(28 Janeiro 2015)