Diana morava na casa da esquina quando a infância começou a querer fugir do seu corpo. Os primeiros sinais de abandono afloravam no seu peito. Outras mudanças físicas vieram. As psíquicas também. A família sentia as dificuldades de sobrevivência aflorando como os seios de Diana. O pai entendeu que a saída era se mudar para a cidade grande onde se ganhava salário de carteira assinada. Diana queria ficar, gostava da escola, da professora, da tia da merenda e, sobretudo, da sopinha de macarrão ou canjiquinha. Mas ela não teve escolha. Foi enfrentar a periferia da cidade com seus atropelos. Ela se adaptou. Virou bicho urbano. A saudade da cidadezinha do interior, uma vez por outra, dava uma latejada no lado esquerdo do seu coração. Dois filhos vieram e na comunidade era preciso se equilibrar entre a ética e a necessidade. Quando percebeu que estava em condições voltou para visitar uma tia que já cambaleava. Ao passar pela esquina Diana viu o lugar onde morou. Agora um salão com uma placa dizendo que ali se tratava de uma igreja, como tantas em sua comunidade. A tia a frequenta. Ela fez companhia para a idosa que tinha uma Bíblia de reserva. O pastor pregava as mesmas palavras que ela já tinha escutado em diversas denominações que frequentara onde mora na capital. Enquanto o homem falava, ela lembrança da sua infância ali. Por um lado era bom que sua antiga casa tinha virado um lugar onde se fala de Deus. Por outro, a esquina já não diferenciava das que ela conheceu na metrópole, os bêbados, os passos egoístas da indiferença de quem passava pela rua e a ideia de que o interior está conectado com o mundo todo. No meio do sermão soltou um xingamento por isso. Um grupo de pessoas em volta dela gritando para que algum espirito ruim saísse dela. Talvez fosse mesmo. Nem todas as lembranças adoçam a vida.