Os joelhos de minha mãe
A fé é uma qualidade admirável. Independentemente de quem a possui ou a quem se devota, a fé é uma companheira que causa conforto e dá forças. Seja em Deus ou em si mesmo, ter fé torna a vida mais fácil, ainda que se recorra a ela sempre nas horas de dificuldade. Mesmo com um número crescente de ateus, não há, na nossa sociedade, quem não conviva com ao menos uma pessoa que expressa orgulhosamente sua fé. Conheço várias, cada uma com seu jeito, umas mais explícitas, outras mais discretas, mas nenhuma se compara à minha mãe.
A fé da minha mãe tinha raízes profundas e, de tanto que foram regadas ao longo de quase um século, eram firmes como rocha. Minha mãe não alardeava sua fé, ela simplesmente era fiel a ela. Vivia de acordo com os preceitos de sua religião, e era muito raro – se não impossível – vê-la transgredir algum deles.
Para o resto do mundo, a fé da minha mãe poderia ser medida pela sua frequência na igreja, pelos seus atos de caridade, pelo seu modo de vida e de ser. Por mais discreta que fosse, no entanto, havia nela algo que denunciava seu fervor à sua fé, e que eu conhecia e guardava como um segredo: seus joelhos.
Os joelhos de minha mãe foram acostumados, desde muito cedo, a repousar em madeiras, pedras, cimentos, e o que mais estivesse sob seus pés quando era hora de reverenciar seu Deus. Ela o fazia não somente nos cultos oficiais, mas diária e solitariamente no entardecer de seu quarto. Essa rotina durou muitas décadas, e seus joelhos não nos deixava ignorar que assim era. Dois grandes, porém, discretos calos se formaram nos seus joelhos e, creio eu, tornavam sua posição até mais confortável. Não doíam, não incomodavam; eram testemunhas da fé da minha mãe, e por isso, eu tinha muita admiração por eles. Tanta, que me causavam inveja. Quisera eu ter a fé da minha mãe!
Quando criança, fui sua companheira nas horas diárias de terço. A cada ave-maria eu respondia com uma santa-maria, e entoávamos juntas o pai-nosso. As salve-rainhas cabiam apenas a ela. Desde essa época eu queria saber o que se passava pela cabeça da minha mãe enquanto ela rezava. O que pedia? Forças para levar adiante sua vida com muitos filhos, sem o marido? O que agradecia? A saúde de todos na família? Ou será que pedia mais força para sua fé, que ela fosse suficiente para suportar tudo o que se apresentava a ela?
Hoje penso que a vida longeva de minha mãe se deve muito àquela fé. E quão abençoados foram aqueles joelhos que a mantiveram altiva até seus 99 anos, e que suportaram todas as vezes que foram requisitados a tocar o chão para que ela pudesse expressar sua fé.
(9 Fevereiro 2016)