LAWRENCE DAS ARÁBIAS E UM CAUSO NO CINE POLITEAMA. Lia de Sá Leitão. 25/07/2020

Outro dia, esse outro dia faz uns 15 anos! Uma amiga me chamou de ladinho e disse assim: li uns textos teus, o Sentimento do Caos, mas porque tamanha tristeza se você é pra cima, feliz, cheia de energia, não deixa ninguém macambuzio e berra aos quatro cantos que a tristeza só deve ser valorizada quando for a hora de ser rebocada pra casa pelo taxista da família depois de uns tantos e sem números golinhos de vinho?

Realmente, o texto era pesado, dolorido, sofrido, nem sei se postei no Recanto das Letras, mas o péssimo humor do caos passou. Por causa dessa observação resolvi evitar expor os textos mais deprimidos. Deixo as tranqueiras para o analista, afinal ele é muito bem pago e tem que gastar neurônios para entender minha danação e loucura textual.

Falar em analista, eita! Que as gentes pagam caro para ser ouvido por alguém que pode ser surdo. E dai? Ouvir, ler, discutir as neuras, tudo seria tão facilmente resolvido numa mesinha de bar, boa música e acompanhado por fofoqueiros de plantão. Revelar projeções, as mais intimas sobre o pobre cristão solitário, cheio de silêncios e medo do confessionário, ali largado pensando no aumento do IPTU, na conta de energia, e no celular que a bateria acabou de apagar.

Os que me conhecem sabem que da vida eu consigo filtrar o que é bom e o que é mau, sem barbáries comuns aos bate papos. O que é primordial se descartar: o mau. Que nada! O mau também é bom. Analiso certinho tudo que é mau para não meter mão em vespeiros. O que é bom é bom; e nem dá para descrever! O bom é tao maravilhoso que só os poemas de auto ajuda se revelam diferentes.

Pois bem, vamos ao que interessa! Daqui uns meses tudo que eu escrever será fato inusitado, causos do cotidiano que a gente nem sabe o motivo do fiasco e da risadagem. As celebridades anonimas dos ônibus, todo dia as mesmas caras e um bom dia! ( Quando eu morava em Floripa, estava tao sem ninguém para dividir as produções que escrevia e deixava os meus contos nos bancos dos ônibus, até que um dia, um jornalista famoso descobriu e fez uma entrevista, ficamos amigos e eu me senti top! Resultado? Parei de escrever contos durante os 3 anos que moramos juntos, foi bom, eu cria que era feliz!)

Bom! Mas nem estou com o analista e nem quero falar naquela felicidade.

Apeteço escrever nova crônica, e esse causo aconteceu em Natal, Capital do Rio Grande do Norte numa mostra de filme no Cine Politeama. O cinema tem sua História como tantos outros Cines das Capitais nordestinas que mantinham a cultura das películas em luxuosas salas. Hoje, infelizmente a maioria é comercio de artigos populares, lojas de eletro eletrônicos, ou foram convertidos em igrejas que limitam o reino de Deus, que é Universal em templos de curar caroços, dores de cabeça, coluna e artroses.

O Politeama foi inaugurado em grande estilo em dezembro de 1912. Ali a sétima arte era muito bem apresentada e representada em nome de uma sociedade que participava do lazer em ambientes distintos. A parte interna do Politeama possuía salões amplos e ricamente decorados com iluminação clássica, espelhos e lustres de cristal. A parte externa com jardins era outro ambiente. Lá estavam luxuosamente posta as mesinhas para um sorvete, uma gelada, chás, cafés, chocolates bolos e creio que não faltava o tradicionalíssimo quindim potiguar. Vale salientar que os antigos moradores falam dessa Belle Époque com nostalgia.

Com todo esse glamour a sociedade correspondia com sua presença refinada e de bons tons em clássicos como: E o Vento Levou.

Enfim nos idos de 64, inicio dos anos de trevas, e dois anos após o lançamento de Lawrence of Arabia nos States e Europa, o filme épico, original em inglês, fundamentado na obra de T. E. Lawrence, Sete Pilares da Sabedoria, explorava a excentricidade, inteligência elegância de Lawrence na Península Arábica. Ufa! Lawrence of Arabia foi estreado no Politeama. Apresentava o verdadeiro opositor e combatente contra os turcos; aliado aos árabes se mostrou um guerreiro destemido nas areias do deserto. Naquele dia a sala parecia uma plantação de alface, a milicada brasileira de galardão tomou conta da lotação do cine na apoteótica estreia.

O filme dirigido por David Lean foi o vencedor em 1963 do Oscar nos EUA nas categorias de melhor filme, melhor diretor, melhor edição, melhor direção de arte a cores, melhores fotografias – em cores, melhor som e melhor trilha sonora.

Legendado para o português conquistou o primeiro lugar de audiência. Foi campeão de bilheteria um ano depois em todo território Nacional.

E assim, Lawrence das Arábias tornou-se também um clássico da Sétima Arte em Natal. A história do herói britânico que vivia pelejando (leiam guerreando), vencendo batalhas como um beduíno valente, os nordestinos civis se identificaram, assim como os militares se projetaram pela falta de herói nacional, os que tinham próximos foram os anonimos pracinhas da segunda guerra. Mas deixa pra lá!

Imaginem as tempestades: haja areal e sol escaldante do deserto na cumeeira do juízo (leia cabeça), nem as brenhas do Sertão era daquele jeito! Sem contar os arquirrivais turcos otomanos, azucrinando o mocinho. As pragas dos otomanos quando apareciam traziam uma nuvem de poeira que "empestiavam" o deserto de um lado a outro! Sei não! Pareciam que tinham parte com o Cramunhão.

Nesse momento também histórico para o nosso protagonista maior o Cine Politeama. Naquela tarde quente dos trópicos, um casal de amigos de meus pais comemorava a quarta Lua de Mel. O casamento se deu em terras sergipanas, mas ele era um jovem oficial do exército transferido para a base militar de Natal. Ela, a mulher de olhos azuis, tez rosada e cabelos cor de mel, adorava saber e comentar a vida dos outros como era comum na vila. Passava os rabos de olhos para as filhas dos oficiais mal comportadas e como a mãe dedicada de três lindas e encantadoras criaturas não permitia que se misturassem com má companhias.

Ele tinha recebido a cortesia dos ingressos para o filme no Politeama no sábado. Mas a família cumpria um ritual era sagrado para aqueles cristãos a Missa da Matriz Nossa Senhora da Apresentação, a Padroeira de Natal depois o sorvete e finalmente o filme. ( Eu e muita gente imagina que os Padroeiros de Natal são os Três Reis Magos, engano Histórico.)

Assim, aconteceu com o casal e outras tantas pessoas da sociedade, primeiro os compromissos com a Santa e Poderosa Madre Igreja depois os apegos ao imaginário da sétima arte.

quem parasse para observar, a cena era um laboratório terapêutico! Ali, o segredo de cada um era projetado pelos suspiros e mastigação frenética das pipocas, tornando-se um pecado de traição. Ele pelo desejo de ser o herói, forte, dominador, inteligente, ela a sonhadora que suspirava de paixão pelo eloquente e garboso artista.

Imagine caro leitor, o segredo das mulheres diante da beleza do ator, e do lado um namorado, marido, ou amigo nordestino, cabeção rapado à moda militar, desproporcional ao físico franzino. O ator alto, cheio de músculos, o companheiro baixinho do tipo pisando torto e andando de lado sem nenhum trejeitos de artista.

A história real revela Lawrence um oficial britânico, escritor, diplomata, espião, arqueólogo, um dos principais mentores da independência da Arábia. Um guerreiro nato que alcançou sucesso contra os turcos otomanos. Prato cheio para os sonhos ainda mais que secretos da mulherada.

Ouviam-se suspiros, pigarros. Algum leve, oh! Outro suspiro, e mais suspiros, um soar de nariz. Tinha aquelas que perderam a conta de quantas vezes assistiram a filme e comentavam em voz alta, Vai vencer! Meu herói!.

O casal se levanta e sai da sala de projeção. Alguém pede silencio e as luzes acendem interrompendo a projeção. O casal aproveita e apressa os passos. Ele na frente abre caminho ela segura-lhe a mão tateando como se não enxergasse nada a sua frente.

Ele com o semblante contrariado, ela com os olhos semicerrados pelo inchaço, duas olheiras se vermelhavam e assim saíram do Politeama. dirigiram-se mais que depressa para casa. Fez compressas de folha de capim santo e erva doce, e aplicou um colírio nos olhos, agora lacrimejantes e remelentos, mais pareciam contaminados por uma forte conjuntivite.

Ele intrigado pergunta: querida o que aconteceu para tal situação? Ela responde com a voz fininha e meiga, meu amor foi aquele deserto infernal e as nuvens de poeira não podia prestar atenção, os olhos ardiam, e não deu tempo de esconder o rosto e proteger os olhos entre as mãos daquele areal. "Ow" marido como eles conseguiram jogar aquela areia quente pra dentro do cinema? Minha roupa limpa! Achei uma falta de respeito!

Vamos ao medico! Os meus olhos estão arranhando com tanta areia!

Lilú de Sá Leitao
Enviado por Lilú de Sá Leitao em 25/07/2020
Código do texto: T7016811
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