Nada é por acaso
 
Apenas com a luz da luminária acesa, no silêncio de seu quarto, Dinah estudava, embora já passasse da meia-noite. A mais velha de sete irmãos, era a única que não estava namorando e logo chegaria à casa dos trinta. Porém, isso se dava ao seu estilo de vida, que só saía de casa para ir ao trabalho, ou para qualquer outro lugar que realmente valesse a pena, e isso não acontecia com tanta frequência. Mas, gostava mesmo de estar em casa e não sentia falta de um namorado, nem se imaginava como esposa e mãe.
Apesar dos constantes protestos de sua família, preferia estudar, ler bons livros, ver bons filmes e apreciar a boa música. Isso lhe bastava, esse era seu mundo.
E também havia uma tia, irmã de seu pai, viúva e muito culta, que às vezes a chamava para ir ao teatro, a um sarau, enfim, partindo dela, sempre eram convites para eventos culturais, de muito bom gosto. E se davam muito bem, falavam a mesma língua, se entendiam e se gostavam muito. Tinha mais afinidade com a tia Margot, do que com qualquer outra pessoa.
Formara-se com louvor em Enfermagem, já tinha também especialização na área, e no momento, estava focada em estudar para concurso ou sair com a Tia Margot. E assim, em uma tarde de sábado, recebeu uma ligação da querida tia, a convidando para ir a uma exposição de arte em uma galeria. Aceitou, sem hesitar.
Horas depois, estavam as duas juntas, discutindo sobre as pinturas a óleo expostas nas paredes. O pintor não era muito conhecido, sabia-se apenas que era escocês e que estava em turnê pelo país expondo seus quadros.
As duas perceberam sensibilidade e muito talento em cada quadro observado.
 
— Levarei dois. Um para mim, outro para você. Anunciou sua tia, piscando o olho.
— Sério, tia? Que maravilha! Dinah sorriu com alegria. Chegou até a imaginar a tela pendurada na parede do seu quarto.
— Óbvio, querida. Vou escolher o meu, escolha o seu.
 
Dinah seguiu sua tia com os olhos, enquanto esta se afastava para eleger a tela que iria comprar. Sem dúvida, uma elegante e adorável mulher, e que para ela, era um exemplo a seguir.
Decidida, a passos largos, iniciou sua exploração para a escolha que iria fazer. E logo, se viu em um impasse. Estava indecisa entre duas obras. Qual das duas? Qual? Pensava ela.

— Boa noite, madame.
 
Virou-se nos calcanhares ao ouvir aquela voz atrás de si, tão profunda, precisa e com um sotaque meio carregado. Madame? Ninguém nunca a havia chamado assim antes. Em seguida, viu-se diante de um homem que aparentava uns quarenta anos, bastante alto, cabelos cheios e escuros, mas grisalhos nas têmporas. Tinha uma cor bronzeada, e seus olhos eram de um azul profundo.
Pegou sua mão e beijou. Nossa! De onde saiu esse cavalheiro? De algum livro de contos de fadas?
 
— Sou Peter MacKay, senhora...
— Senhora não, senhorita. Me chamo Dinah. Muito prazer. Estava visivelmente nervosa com aquela presença. Tia Margot, cadê você?
— Gostou de algum? Perguntou o estranho, apontando para os quadros.
— Sim, muito. De repente, começou a raciocinar. Pintor... escocês... sotaque... será ele? — Os quadros são seus?
 
Ele deu um largo sorriso e afirmou, balançando a cabeça. Estava envergonhada, afinal sua assinatura, bem legível, estava exibida no rodapé de cada uma das peças. Peter MacKay.
 
— Você é um grande artista, p-parabéns por seu t-trabalho. Sempre gaguejava quando ficava nervosa e estava muito constrangida com aquela situação. E para completar, tia Margot tinha evaporado.
— Está sozinha, senhorita Dinah?
— Não. Vim com minha tia, que deve estar em algum lugar d-dessa g-galeria, com certeza. O constrangimento só aumentava, não sabia mais o que dizer, e além disso, aquele homem não tirava os olhos dela.
 
Escondida atrás de uma das colunas daquele lugar, tia Margot se divertia observando os dois. Já estava voltando ao encontro da sobrinha, quando viu a cena do beijo na mão. Muito galanteador, pensou. E assim, decidiu se esconder para não atrapalhar, quem sabe, algo promissor. Reconheceu prontamente aquele moço. Peter MacKay, o pintor!
 
— Aceita uma bebida? Não podia perdê-la de vista, considerava ele, cá com seus botões.
— Não bebo, obrigada. Respondeu Dinah, apertando as mãos com força.
— Água? Refrigerante, algo assim? Insistia ele.
— Água, por favor. Realmente, necessitava de água, sua garganta estava seca.
 
Com ar de vitória, ele se afastou para pegar as bebidas. Nesse ínterim, tia Margot apareceu.
 
— Fiz bem em convidá-la para vir comigo.
— Tia Margot, que bom que apareceu. A senhora o viu conversando comigo? Por que não se aproximou?
— Vi sim e não quis atrapalhar. Já está na hora de encontrar um bom homem, minha querida.
Antes que falassem mais alguma coisa, ele voltou com sua água, enquanto bebia um uísque puro malte escocês.
— Obrigada. Após um gole, pigarreou e fez as apresentações.
 
Perto de sua tia, sentiu-se mais segura na presença daquele homem, e aos poucos foi relaxando.
E, depois disso, muitas coisas aconteceram. Encontraram-se outras vezes, namoraram, noivaram e casaram. E agora, na Escócia, em uma bela casa de pedra, Dinah MacKay pensava nas belas surpresas da vida, tal como àquela noite que conheceu Peter em uma galeria de arte.
Enquanto pensava, afagava a barriga. Em breve, alguém mais estaria ali.