O pé de botina!
O pé de botina!
Quem não me conhece acha que eu invento coisas. Nada disto. Eu emito opiniões, relato fatos, acontecimentos, algumas vezes escrevo poesia. Só isto. Não sou supersticioso, sou crédulo. Sou assim.
Acredito que as pessoas sabem que minha família tem uma fazendinha. Fica lá na Furna do Chiqueiro, no Córrego São Jerônimo Pequeno, em Gurinhatã-MG.
Juro, lá em nossa região tem muito bicho: lobo, raposa, coelho, perdiz, mutum, jaó, tucano de duas espécies, gralhas a deus dará, canarinhos, joão de barro, rolinhas, pomba trucal, sapo, perereca, um passarinho que não sei o nome, cateto, mateiro (topei com uma esta semana), arara, periquito, macaco, quati, bandeira, tatu, saúva, borboletas, mosquitos, maribondos, abelhas, anta... e onça.
A onça. Não é pintada. Como se diz por aqui é parda, vermelha, amarela... mas aterroriza a peãozada e anda me criando uma baita dificuldade.
Vou contar.
Tem um pé de botina, como um amuleto, pendurado na porteira de entrada da fazenda. Já estava ali muito antes de tomar posse da herança familiar. É uma lembrança, homenagem dos antigos proprietários a uma pessoa. Recebi e respeitei, mantive ali pendurado o pé de botina. Está velho, roto, quase desfigurado, mas não deixa de chamar atenção de quem por ali passa.
É o meu problema.
É meu sistema contratar pessoas para trabalhar lá na fazenda. Marco um dia e lá estou para entrevistar o peão. Não sou exigente, não peço referências, nem que trabalhe tanto. Coisinhas atoa. Se for casado, que brigue com a mulher só uma vez por mês. Que tenha menos de cinco filhos. Solteiro, que seja mais de 40 anos. Bebendo, não leve pinga para casa, beba lá no Gurinhatã e venha embora. Fácil, fácil trabalhar para mim.
Desanda quando o curioso pergunta o que é aquela botina lá na porteira?
Aí, desconverso, desconverso, mas os peões insistem, parecem que eles desconfiam de alguma coisa, persistem em saber o significado daquela botina solitária no alto da porteira.
Aí eu conto. Um dia o peão foi lá no fundo da furna procurar um bezerro sumido de dois dias e dois dias depois, muita procura, a esposa do peão encontrou aquele pé de botina, foi o que restou dele debaixo de umas coivaras. A onça que comeu o bezerro, dois dias depois comeu o peão que o foi procurar!
É o que basta... o peão combina, vai buscar a mudança, e nunca mais volta para o trabalho!
E eu continuo sozinho a olhar a porteira e o pé de botina!