Satisfação, só isso!
Não precisa cobrança, meu coração é sensível demais para tamanha brutalidade. Tudo pode ser resolvido com um simples olhar de afago ou toque de compreensão.
A cobrança escraviza, torna o desejo dependente da vontade do outro. Eu não quero ser objeto de uso pessoal.
Os objetos envelhecem, depois que perdem a utilidade, são substituídos. Eu não quero essa fatídica substituição.
Queira a mim na minha dimensão mais humana como complemento da sua satisfação.
Porque a cobrança é invasiva, delirante, impiedosa. Você ordena para o seu belprazer de ser atendido. Pronto. A partir deste ato é desencadeada uma relação de opressão.
E se não me atender, se não for do jeito que espero e tenho dentro de mim, já sabe, não satisfaz o meu ego.
Sou da satisfação.
Satisfação é te conhecer, é ter você ao meu lado com o seu odor, seu gesto, sua cumplicidade. É o desvendar do outro que mais me faz roer as unhas, porque as pessoas são dádivas que aparecem em nossas vidas para serem desvendadas. Seja eu a sua revelação permanente.
A sensação de ter uma venda no coração, que impede a nossa visão, mais a magia do momento do encantamento se dão no estalo do: é isso!
É isso, você se fez em mim um tesouro.
Tesouros são polidos, bem guardados, escondidos. Tesouros humanos se hospedam dentro de uma caixinha chamada coração.
É isso, você esteve aqui todo o tempo e só agora eu percebi, porque tesouros raros têm o dom de ficarem camuflados, só com o despertar da luz da consciência que eles acendem e ascendem dentro da gente. É isso.
É isso, há tons de frangrâncias impossíveis de serem sentidos pela consciência da razão, somente com olfato sinestésico da alma tudo passa a ser explosão. Existem os tesouros que não podem ser revelados, são sigilosos, protegidos, irrevelados.
Não podem ser adeptos das cobranças. Esta não vislumbra ou degusta o instante do prazer de ser sentido, embora distante, a quem queremos tanto bem.
Ontem eu pensei em você, de como nos conhecemos e nos completamos. Desenhei o seu sorriso e marquei intensamente os seus cacoetes. Nem sei se existia mau hálito ou se suas unhas estavam sujas. Não tive tempo para isso, estava absorto no seu silêncio, quando não, na pulsação de suas palavras. Você mastigava tão bem tudo que dizia, que o tempo mudou e eu fiquei na trilha da ferrovia chamada gratidão.
Nem precisou tocar as mãos, apenas certificar o cruzamento das linhas de nossas vidas. Há instantes em que a memória deve tirar cestas debaixo dos escombros do ego, pois o concebível é fugaz por horas.
Mas não me cobre. Não precisa cobranças. Ela é algema, fere, aprisiona, dismestifica o querer bem de graça.
Tornar a pessoa prisioneira não é missão nossa, é preciso destrancar os portões que nos impedem de alcançar a liberdade e sentir o perfume natural da beleza do ser. Eu sou ser, você é ser, embora não tenhamos o poder de sair dos nossos casulos sozinhos. A necessidade do outro é o que nos redime das cobranças. Por isso sugiro um brinde na tentativa lasciva de desatar os nós, por acaso, que somos na alegria e na dor; no prazer e no descontentamento da existência.
Até ontem eu achava que eu, a mim, me bastava. Não tinha me dado conta da gula soberba austera presente nesse sentimento narcisista. Não sou ninguém sem o outro, sem o elo, a ponte, a plena convivência discrepante de nós.
No nós não cabe a cobrança. Ela não enreda o que construímos tão bem quando estamos na busca de salvar o mundo e sua consonância. Tire os sapatos, adentre em mim descalço.
Por tudo, deixe no cabide da porta de entrada toda arrogância da cobrança. Venha a mim desnudo, com vontade de beber da água da vida que está aqui nessa fonte chamada pessoa.
Nós, pessoas, precisamos fechar os olhos e nos lançarmos no infinito da descoberta desafinada, porque somos o desconhecido e ninguém conhece a si algemado ao desejo de ser resposta para o que não se justifica.
Portanto, não faça cobrança, deixe que eu tome o meu banho diário no riacho da temperança, quem sabe lá, eu possa desfrutar daquilo que você ainda não se atentou em descobrir o frescor.
Marcus Vinicius