Sou um ser de fases
Existe uma coisa pequena, mas que também é grande dentro de mim. Não, não posso dizer assim, tenho medo do olho grande de quem não aguenta saber da felicidade alheia.
Eu me arrepio e sinto cócegas debaixo dos pés quando sei que essa coisa some, mas depois aparece e depois dorme, mas também acorda num estalar de dedos.
As coisas pequenas crescem quando damos linha, igual as pipas soltas no céu. Elas vão longe quando temos linha para alimentar suas vontades.
As coisas grandes enchem os nossos olhos como as belas leituras de Monteiro Lobato e as peripércias da boneca que vira gente ou do sabugo visconde arraigado de invenções mirabolantes.
Gosto de falar dessas coisas porque elas me levam para os lugares mais inusitados da nossa imaginação.
Como essa coisa pequena chamada de afeto.
O meu afeto é pequeno, mas também é grande.
Ele ocupa um pequeno lugar dentro de mim e vai se alastrando quando me encho de prazer com os sentimentos que me alimentam.
Meu afeto me faz lembrar dos sorrisos dos meus amigos de outrora e do cheiro de café da cozinha de minha avó.
Com ele, as asas de Ícaro são minhas e com elas eu posso voar pelo universo do meu inconsciente.
Há dias em que o meu afeto é um veleiro e podemos desbravar o mar das ondas que vieram e se desfizeram antes da hora.
Antes da hora partem as pessoas que nunca desejamos distantes. Vão embora e nem olham para trás. Bagunçam o nosso afeto e viram mistérios perfeitos. A gente especula, mas nosso veleiro não tem potência suficiente para atravessar essa onda, esse mar sem fim; antes da hora nossa engrenagem enferruja e perdemos o fio condutor que nos leva para fora dos nossos labirintos, e crescemos tão drásticamente a ponto de se perder das respostas nunca encontradas na vida.
Antes da hora, o meu afeto me fez gente grande e eu nunca tive o desejo de crescer. Como gente grande nunca mais tive tempo de fabricar as minhas roladeiras nem comer o olho do peixe depois da chuva findada. Porque eu me perdi lá atrás, como a onda que se quebrou e a água voltou para o mar.
Costumo dizer que as coisas pequenas são estrelinhas grudadas em nossos corações e, como a lua, elas têm fases: dias são novas, outros são crescentes, mais adiante são cheias e quando estão minguante, as lágrimas borram nossa face.
E eu aqui a observar o jogo de pedras de ontem. Essa danada jogada para o alto não deu tempo de rasteirar as duas na superfície sólida do chão. Eu fui com ela e me embrenhei pelo universo do desconhecido. Mergulhei na coisa pequena instalada dentro de mim. Fiz-me grande, mas o olho gordo colocou um quebranto tão grande em mim que estou aqui com esse abrimento de boca enquanto cato essas quatro ou cinco palavras nesse papel.
Quebrei a ponta do lápis e nem pude assinar o meu nome como sempre gostei de registrar na calçada com um pedaço de tijolo, mas estou na fase de encostar a cabeça em qualquer canto e ficar a contar carneirinhos.
Marcus Vinicius