AMOR VOU COMER SEU CORAÇÃO. (RELEITURA) LIA DE SÁ LEITÃO 24/07/2020
(RELEITURA) LIA DE SÁ LEITÃO 24/07/2020
(E o Diabo perdeu os chifres depois de uma carta de amor.)
São João! A cidade se coloriu em bandeirinhas, fogueiras de mentirinha, propaganda comercial, as chamas de plástico vermelho se mexiam frenéticas ao sabor do ar direcionado produzido pelo compressor elétrico tão barulhento quanto as cornetas da radio local anunciando os descontos de chitas e roupas prontas, souvenires, e padaria que era o point, servia de almoço ao cafezinho moído na hora aos visitantes.
O vai e vem de gente, o corre corre dos moto boys, a guarda municipal desfilando em marcha mínima com a viatura novíssima comprada na gestão anterior e ostentada na reeleição atrapalhava até a ambulância que se esgoelava pedindo passagem.
As musicas se confundiam no ar! Aqui se tocava o Rei do Baião, acolá o Príncipe. Furando a corte real, um desconhecido sanfoneiro, um zabumbeiro e o remelexo do homem magro e alto improvisava uma harmonia estridente com triangulo, num tililim incansável. Solenizavam ao vivo o forró pernambucano.
Uma mulher do outro lado da rua conversava aos berros com a vendedora de panos. “ Marilene! Tem chita de flor "vermeia" pro vestido de Mariquinha”? A outra replicou: “vem aqui mulé vê a tulha de pano que chegou de Recife! Tem pra tudo que é gosto!” A primeira retruca: Que agosto criatura , pra agora! Pera que vou ai!” E atravessou a rua puxando uma menina magra e comprida pelo braço.
Um meninote se oferecia para carregar as compras das madames, o frete custava “cinco reaus” até antes da casa do Prefeito e “dez reaus” para depois da delegacia. E mais dois homens com óculos espelhados tipo ray-ban conversavam segurando suas capangas ( bolsa masculina muito apreciada) debaixo do sovaco suado. O carro da Polícia Militar passava olhando tudo mas, não brecava o transito.
A vendedora super maquiada com sombras azuis nos olhos e um batom carmim chegou à porta do estabelecimento e sorriu para o dia.
Finalmente a sexta feira que antecipava os festejos juninos, manhã produtiva! Vendeu três celulares: um a prestação para Zequinha do Posto de Gasolina, outro para Juvelina, esse fazia jus, lindo e moderno tinha uma nuvem de armazenamento que cabia o céu. Essa era a sacrista da Matriz. Uma espécie de anteparo do Padre Paulo, depois da confissão era ela que revelava a vida pregressa que o desinfeliz omitiu. Era tão fofoqueira que nos casos policiais difíceis o delegado aceitava seus pitacos.
E aqui começa nosso caso real. E o diabo arrancou os chifres depois de uma carta de amor.
Valentina era o nome da moça. Ela filha da cidade. Menina que se disputa nas festas para um remelexo. Namoradeira ao ponto que nenhuma mãe de rapaz queria para nora. Dizia que estudava na Escola Estadual, mas raramente era vista em sala, podia procurar na praça nos horários de aprendizado que estava lá proseando e rindo com os motoristas de taxi. Ou sentava numa mesinha da sorveteria e pedia o mesmo gelado de sempre: morango com creme. Deixava a conta para o primeiro desavisado que sentasse ao seu lado.
Mas era linda mesmo! Tao linda que encantava os olhos que olhavam disfarçadamente nas ruas. Ganhou até concurso de Miss em Recife, foi Rainha do Frevo, Forró da Escola Estadual, time de futebol, agora era a Rainha do Comercio. Hábil na fala fazia propagandas para os políticos, (todos eles: direita e esquerda volver!).
Véspera de São João, ela estava ali, “ sorveteando ”. Junho não estava chuvoso, ao contrario fazia um calor diferente. A temperatura reclamava alegria, céu estrelado, porém sem luar.
Era gente se esbarrando em gente. A cidade era toda alegria!
Ônibus de Recife e cidades vizinhas, apesar da Paraíba, Rio Grade do Norte, Sergipe, Ceará e Piaui festejarem João Batista, primo de Jesus, nascido em Ein Kerem, ano 2 a.C. lá pelas bandas da Judeia. O Santo era cabra nordestino! Não sentia inveja de São Severino dos Ramos ou Padre Cícero.
Um rapaz bem apessoado olhava insistente para Valentina. O Cupido flechava para todo lado! E pimba! Os quatro espiões do coração se cruzaram e se miraram e viriam um o complemento de seus solitários suspiros. O amor.
Ele se chegou e se sentou e disse: estou aqui para pedir que me acompanhe nas festas, amanha quero conhecer sua família, depois da manha ser o seu namorado e quando tiver maduro o conhecimento quero casar com você. Ela riu e aceitou. A declaração de amor dele, eu, Durval juro que um dia comerei o seu coração como prova do meu amor. Valentina riu a achou aquela declaração uma prova que existe amor intempestivo e sem explicação une as almas.
E assim se fez dançaram, se beijaram, dançaram novamente, sairam de mãos dadas, os conhecidos estranharam tamanha paixão. E tantas sorvetadas, nesse dia ela experimentou outros sabores. Não bebeu uma cerveja, nem saboreou licores e muito menos a porradinha, (caninha com soda limonada.) Ela estava com um brilho diferente, um olhar, o sorriso, ninguém sabia explicar, a menina não tinha olhos para nada nem ninguém.
Ele mudou-se para a cidade e logo estava empregado, o Prefeito deu um cargo na Polícia Municipal. Ele entupiu a cidade de motocicletas mais potentes que as de São Paulo. Comprou os quatro carros zero quilômetros para os cargos mais altos inclusive o seu e pediu concurso municipal para aumentar o efetivo. Ganhou medalha de Honra ao Mérito na Câmara dos Vereadores. O Prefeito foi ovacionado e até se reelegeu e por isso, tempos depois noivou e se apresentou como Secretário do Prefeito. O lema era Emprego para Todos. A vida tranquila marchava para um casamento feliz.
O governo do Estado apresentada aquele município como modelo e um dia preparou uma homenagem inenarrável. Todos os poderes, os chefes e secretários de todas as polícias. O sujeito estava rodeado de milicos. Começou a passar mal com o olhar de uma delegada que mais parecia uma colegial. Ela se aproximava e ele fugia. Até que não suportou a perseguição social e saiu à francesa com Valentina, agora, esposa. Ela adorando a festa sair assim repentinamente, foi à primeira discursão do casal em dois anos.
Voltaram em velocidade para a cidade festeira, nem parecia que o São Joao estava longe do ano passado e mais distante do ano seguinte. Havia um musico realizando a gravação de lives para a televisão, rede social da internet. Complicou atravessar a Praça da Matriz para chegar a porta de sua residência. Avançou para cima dos populares que ocupavam a rua. Valentina gritou chamando a atenção dele. Enfim parou o carro e fez a descer e caminhar para casa enquanto ele faria um retorno por um caminho de barro que rodeava a cidade ( o que seria a construção de um rodo anel para facilitar todas as rotas de saída e entrada para pátios de festas, estacionamentos, comércios, feiras de artesanatos e populares, restaurantes e barezinhos.
Valentina atravessa a multidão com seu vestido de festa, brilhoso, reluzia multicor aos focos de luz que rodavam o publico e o palco. Os sapatos altos machucava os pés, ficou descalça, puxou o vestido até os joelhos, baixou a cabeça e as lagrimas foram suas amigas até o portão da residência. Esperou o marido. Sentada no degrau de entrada. O dia amanheceu e ela ali com ares dementes sem entender nada! A não ser que tinha sido abandonada. Os vizinhos passavam para o trabalho, olhavam a cena e seguiam, os comentários ganhavam os ares: pontos de ônibus, fila do pão, postinho de saúde, policia, guarda municipal, feiras, Secretárias, enfim o Padre e o Pastor.
A secretária chegou para a lida e entendeu o comentário dos conhecidos pelo trajeto. Abriu o portão, calada, ergueu a jovem pelo braço e a fez entrar.
Valentina perdeu o brilho dos olhos, vestia preto de segunda a segunda e saia apenas para a Igreja. O marido sumiu no mundo!
Um dia uma viatura da policia parou em frente a sua casa, a delegada desceu e pediu para conversar. Ela lembrou o dia fatídico da festa, apesar das lágrimas permitiu a conversa amigável. Apenas perguntou. Ele está agora mora com a Senhora? A Delegada se assustou e disse: Não! Seu marido está preso! É um homem perigoso procurado pelo Nordeste inteiro. Tenha cuidado, vimos dar proteção porque houve uma fuga do manicômio judicial e a psiquiatra requisitou um contato com a senhora.
Ficaram o tempo apurando fatos e protegendo a Mulher. Mas nada é para sempre a não ser os segredos do amor. A polícia teve que cumprir outros trabalhos e se foram. Era meio dia e o Sol queimava na moleira, um homem entra na casa com uma faca peixeira na mão. Arromba a porta. Dá um soco na empregada que desmaia no corredor e sobe para o primeiro andar do sobrado. (A maioria do povo que ocupa cargo importante nos governos de alguma coisa mora em casa de andar. Parece que exprime poder!)
Pois, subiu a passos largos de dois em dois degraus, a mulher assustada com a visão do demônio gritou, mas ninguém ouviu. Ele abriu o peito de Valentina tirou o coração que ainda pulsava nas mãos quando a empregada fugiu e chamou a policia.
Chegaram quase de imediato os vizinhos, a viatura policial, o SAMU.
Quando adentraram no recinto ele estava sentado ao lado do corpo e comia voraz o coração da amada.