A Adolescência e a Ditadura
A adolescência não é uma fase fácil para ninguém, não importa a época em que se vive ou o pedaço do mundo onde se está. Já a adolescência durante os piores anos da ditadura nesse lado de cá do mundo não pode ser considerada apenas uma fase de conflitos familiares, emocionais, hormonais. Em tempos de calmaria, todos os problemas do jovem resumem-se à sua autoafirmação, sua sexualidade, seus relacionamentos. Durante a ditadura, tais conflitos não tinham qualquer importância, e, ainda que existissem, abafados, agigantando-se no nosso íntimo, não era deles de que se falava.
Ser jovem naquela época requeria atitudes até então incomuns para a idade. Engajamento político, opinião formada sobre tudo, desprendimento de tudo o que remetia à burguesia, ódio do imperialismo, mesmo que não se soubesse exatamente o que isso significava.
Evidentemente esses jovens não existiam nas cidades muito pequenas. Para ser um jovem típico era preciso, no mínimo, freqüentar uma universidade. E ali, sob a liderança de poucos, e na companhia de muitos outros, como num passe de mágica, todos os problemas individuais da adolescência eram sumariamente postergados para um tempo indefinido. Davam lugar a uma maturidade quase imprópria, incompleta, mas que enchia de orgulho aquele que a exibia. Gírias sociais eram substituídas por bordões políticos, e toda conversa informal transformava-se em comício ou roda de música de protesto. Um dos desafios era, na verdade, descobrir, em cada sucesso de um músico engajado, a subversão que havia de existir na sua letra. Dessa forma, encontrava-se protesto onde não existia, e descartava-se qualquer música – e músico – se não fosse possível justificar politicamente sua composição.
Nem todo jovem acreditava nas palavras de ordem. Esses viviam sua adolescência em silêncio, pois seus problemas não podiam ser maiores do que aquele que calava todo um país. Não era comum que se manifestassem contra a correnteza; no máximo, omitiam-se. De qualquer forma, chegar até os líderes não era muito fácil. Havia uma pirâmide hierárquica muito bem organizada, embora isso não ficasse explícito. O fato é que a massa não se preocupava muito em estar próxima aos líderes máximos, afinal, ser anônimo tinha suas vantagens. A adrenalina sempre presente estimulava a participação nos movimentos, é verdade, mas não a ponto de ter que prestar contas disso. Ser mártir deveria ser prerrogativa dos líderes apenas. Nem sempre era assim.
Passados 50 anos, quando esses jovens viveram sua adolescência, afinal?
(31 Agosto 2009)