Outros apontamentos (incompletos) sobre a liberdade

Se um escritor for cauteloso a ponto de nunca escrever
nada que possa ser criticado,
jamais escreverá nada que possa ser lido.

Para ajudar outras pessoas,
temos de decidir escrever coisas
que algumas condenarão.

(Thomas Merton)

Me esforço por olhar nos olhos
quem desde que nasci me olha fixo
esperando de mim um assentimento
– ainda que humana e fracamente,
ainda que inepto e bruto –,
um sim
(Adélia Prado)
 
     Respostas para tudo e todos? Não, não as tenho, não as temos, nem sei se realmente se fazem necessárias – sempre. Em alguns momentos não é de respostas que precisamos. Por vezes basta a poesia, uma canção, aquela lembrança resgatada na hora certa, o abraço e a presença, indispensáveis certezas fundamentais, o sinal aberto, os ponteiros do relógio guardando um dia difícil dentro de seus bolsos, o perdão, a vergonha, o silêncio. Entre garimpar porquês e justificativas e descobrir o sentido das coisas, dos fatos, das tragédias e das glórias, prefiro ficar com a segunda busca.

     Percebo um sem número de pessoas que gastam muito tempo indo em busca do que jamais encontrarão e, mesmo que encontrassem, de nada valeria – ou por caducidade, ou por inutilidade, ou por engano, puro engano. As lesões que causamos em nós mesmos devido às prioridades elegidas equivocadamente, poderão se revelar tarde demais para um recomeço. Acaba de nascer mais uma criança, acaba de morrer mais um, mais uma. Quanto tempo separa esta vida daquela? De um lado as possibilidades, do outro o trabalho concluído. A meio caminho estamos nós.

     Quantos deuses cultuados, quantos rituais profanos celebrados em meio ao vazio, glórias inúmeras desejadas para quê?, dependências criadas que nos amarram a si sem que nos demos conta, desculpas as mais tolas possíveis para justificar interesses mesquinhos, frívolos, efêmeros. A troca do essencial pelo supérfluo, como diz Oscar Wilde em O retrato de Doryan Gray, tornou-se marca registrada de nosso tempo e de nossa gente. Aplaudimos nossos próprios prejuízos, pagamos por eles e nos vangloriamos das próprias misérias. Há imunidade a tudo isso? Difícil saber. A escravidão quando aliada à conivência é pior que supúnhamos.

     Creio, ao lado de muitos, que somente a Palavra de Deus é livre e permite a liberdade em meio a um mundo cheio de prisões tão prazerosas e ilusórias, tão astutas e sutis, tão revestidas de encantos e tão prenhes de maldições. De qual liberdade que falo? Daquela que sabe viver tão somente com o que precisa, que não se perde em meio às propagandas que prometem felicidades, que mantém outro horizonte diante de si, muito distante de algum que encontre seu ocaso neste mundo. Falo duma liberdade que me questiona ao invés de querer me comprar ou simplesmente corroborar com meus pensamentos, com minhas verdades. Uma liberdade que não me deixa acomodado, antes, impulsiona-me a buscar para além da superfície, do senso comum. Uma liberdade que garante meu poder de decisão e minha escolha pela obediência a alguém que reconheço ser maior do que eu, mesmo que por aí me digam o contrário.

     A beleza e o drama da liberdade que provém de Deus acomoda-se no interior, na consciência. Há uma estética metafísica que reside numa alma que se reconhece livre, dona de si porque serva da Verdade. E há um drama que atinge a consciência quando o usufruto desse dom incorre na realidade do pecado, das teias que nos prendem a desejos e sentimentos inferiores. Quanto mais cresce o entendimento do que seja a liberdade em Deus, mais se agravam as responsabilidades diante das escolhas, das decisões, das consequências. É o bendito dilema Dos pontos de vistas da mosca e da aranha, bem dito por Quintana:
A mosca a debater-se: “Não, Deus não existe!
Somente o acaso rege a terrena existência.”
A aranha: “Glória a ti, Divina Providência
Que à minha humilde teia esta mosca atraíste!”