A COMISSÃO DO "CALA-BOCA" ("Repressão: o mais letal dos venenos." — Gemária Sampaio)

Por uma convocação escrita nos termos formais e publicada no grupo do Whatsapp, todos funcionários da unidade escolar tomaram conhecimento antes de mim. Um colega me escreveu: — "Viu sua convocação? Vai lá, véi!" Quando abri o aplicativo, era tão constrangedor que senti medo, então retornei ao colega e o respondi que coisa boa não era. Tinha uma convocação escandalosamente exposta. Comecei relacionar as circunstâncias e comparar uma coisa com outra, levantando

hipóteses, quase não dormi aquela noite. Todavia, a reunião não aconteceu como programada, foi bom para eu recorrer mais fervorosamente às minhas forças espirituais.

Poucos dias depois, finalmente, tive de abandonar os alunos do 2A, fazendo prova, porque me chamaram para aquela tal comissão especial. E ali me ameaçaram de processar, de me colocar à disposição da Secretaria (deveria a instância maior disponibilizar o funcionário à menor, mas aqui há inversão) e o conselho várias vezes repetiu que, se eu estivesse insatisfeito, que mudasse de colégio. Expliquei que o meu problema não era o colégio, mas com a Educação. E me deram um prazo em observação. Mostraram-se totalmente no controle, e eu ali sozinho pendendo na cruz, na véspera da páscoa, pegaram-me por Cristo.

O problema foi que, ensinando a meus alunos a escreverem melhor, pedi-lhes uma crônica do cotidiano escolar, apenas delimitei o espaço, pois se deixasse tema solto, eles poderiam copiar da internet. Portanto, no segundo ano "B", li poucas; até por que, aquela era apenas uma atividade de rotina valendo só um visto. Mas, uma estava contemplando todas as características técnicas do gênero textual discutido em sala, em uma caligrafia legível. E tratava de uma crítica sobre o comportamento de uma professora anônima ali. Pareceu-me texto bastante original e trazia um tema comum para o ambiente escolar, não houve cola. Assim sendo, vistei-o e escrevi "parabéns" na parte superior da folha. O parabéns não oficializava alguns poucos erros da redação, pois não valia nota, estava apenas celebrando a dedicação da estudante que mostrou-se capaz. Depois a devolvi. Ela me perguntou se gostei, eu lhe disse que sim; porém, estava curioso para saber quem eram os personagens. Foi então que me disse, tratava-se da professora de matemática. Em seguida perguntei se ela me daria a redação para a professora tomar conhecimento, no sentido de encaminhar uma conversa conciliadora. Foi me concedida, e a entreguei para a professora. Ela leu mal, interpretou mal e me acusou de antiético. Ela vinculou o "Parabéns" como aprovação das críticas da aluna. Foi assim que me encaminhou para aquela mal forjada comissão, julgadora do colégio.

A tal comissão desmereceu completamente meu trabalho. Disseram-me que aquela crônica não valia nada, estava totalmente fora dos padrões literários, não servia para passar em nenhum Enem. Aquele parabéns não devia está ali, eu tinha errado porque sou um péssimo professor e já agregaram as inconveniências de minhas outras crônicas da vida escolar, prometendo-me escrever uma carta de repúdio ao jornal em que publico. E a autora em questão, uma péssima aluna, falaram-me até de suspendê-la de suas aulas, como medida disciplinar. Já à mãe da aluna, falaram que a filha escreve bem, fez um excelente texto. É próprio dos que gerenciam a educação agir pela conveniência em detrimento do que é coerente com a justiça. É claro que com uma injustiça dessas, atrairão o caos sobre si até os colegas dela vão fazer todo tipo de chacota, pois a tal atitude cairá no descrédito deles. Mas, o que tenho a ver com isso? Chegaram a gravar um áudio com a voz da adolescente, assumindo que foi induzida, talvez para me recriminar. Minha pergunta é se vão devolver a crônica e o prestígio da aluna para ela dormir em paz? Quanto a mim, estou acostumado. — Se ela tentar o suicídio serei culpado? E se eu depois desta reunião, suicidar-me, vocês serão culpados? Certamente o ato dela não constituiu pecado algum, ela foi maltratada pela professora, descreveu sua dor e ali estavam palavras umedecidas com a sinceridade. Não era para tanto, na minha opinião. Que cronista não critica dentro do politicamente correto? E ali estava nos conformes, Eu queria uma cópia da crônica dela para anexar a esta minha crônica, lembrando a mim, e à minha posteridade, e a quem interessar possa, o que fui na e para educação.

Gravei toda a reunião, mas ainda não tive coragem para reouvir aquelas expressões de quem realmente tinha perdido a admiração por minha pessoa.

"No palco da vida, cansei de ser apenas um ator usando máscaras e passei a ser o roteirista que escreve o próprio espetáculo" (Rodrigo R Leite)