Saudade de Drummond

Jung estava conosco, comigo e Drummond, numa sala grande. Paredes inundadas de quadros de todos os gêneros de pintura. Muitas esculturas nacionais e internacionais (estávamos em Luanda).

Jung passava por nós (por mim e Carlos Drummond) e acenava com seu cachimbo. O poeta me diz mais baixinho do que o normal que "fumar cachimbo também faz mal à saúde". Nós se riamos...

Depois começava a contar sobre as ideias que tenho atualmente sobre minha escrita e produção de escrita. Drummond me abraçou e disse que tudo vai dar certo. Eu caí num choro imenso. Fiquei chorando no ombro de Drummond por uns cinco minutos. Depois, aos poucos, me recompus . Aos poucos, enquanto ele recitava os versos do seu poema mais recente. Levantamos e ele propôs um café, assenti. Saímos dali para uma lancheta e conversamos muitos, sobre tudo, sobretudo, sobre todas as coisas.

Perguntei de quem era aquela lancheta e ele disse que ali tudo era de todos, que pertencer era maravilhoso, então tudo ali pertencia ao todo. "As pessoas não, Sol. As pessoas são todas, amorosamente elegíveis". E solta uma gargalhada.

"Nunca vi você gargalhar Drummond", ele confessa que estava me dando arsenal para a volta. "É para lhe dar coragem para a volta". Saímos dali e vimos juntos o por sol. Puxa vida! O por do sol... Nunca mais vi o por do sol com ninguém, poeta. Ele então disse que eu precisava ver o por do sol e o nascer do sol, pelo menos duas vezes na semana. "Promete que vai me obedecer Sol". Abracei o poeta e disse que sim.

Ficamos ali até o sol dar lugar às primeiras noções de escuro.

Caminhamos conversando sobre Guionismo e aulas sobre escrita. Deu-me uns exemplos de narrativa para poemas cinematográficos. Fiquei muito atenta àquelas aulas do poeta. Em seguida, chegamos num espaço aberto, onde havia muita gente recitando um verso que dizia: "nada pode deter a vida, a vida é vida, ninguém detém a vida". O poeta me ensinava que aquilo não era verso de poema, era uma meditação coletiva: "Os Planos da Vida estão com meditações cada vez mais frequentes"; disse-me sussurrando.

Jung estava na meditação, mas não estava no círculo. veio até nós e me perguntou por que não escrevo mais seus sonhos. Disse-lhe que andava sem energia. Ele aconselhou-me banhos gelados.

Paramos para ver umas cores que surgiam no céu infinitamente leve. "Olha só, que espetáculo não é?" Não respondi nada. Abracei Drummond e acho que dormi em seu colo.

Acordei com saudade do poeta, de poema, de música lírica, de cores fantásticas, da luz do sol e da luz da noite. Acordei com cheiro de poesia.

Solineide Maria-Sol de Maria.

Luanda, 04 de Fevereiro de 2020.

Solineide Maria
Enviado por Solineide Maria em 21/07/2020
Reeditado em 21/07/2020
Código do texto: T7012077
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