O PRIMEIRO FUSCA A GENTE NUNCA ESQUECE

Era o ano de 1982, quando comprei meu primeiro automóvel, um fusca cinza ano 66 com um “potente” motor de 1200cc, bateria 12V, originalmente era 6V, mas já estava alterado, fato comum naqueles tempos. Comprei de um amigo de infância que soubera estar vendendo por um preço que alcançava o meu bolso. Feita as tratativas combinamos de ir pegá-lo num sábado primaveril. Lá fui eu de buzão de Capoeiras onde na época eu morava para Forquilhinhas pegar aquele carrão que viveria muitas histórias junto dele.

Todo eufórico ao vê-lo tão perto de mim, paguei meu amigo, assinamos os documentos, embarquei no potente em direção a minha casa, porém um detalhe muito importante, não sabia dirigir, somente algumas noções. Na época o trevo de Forquilhinhas era bem diferente, tínhamos que atravessar a BR 101 e seguir adiante. Bateu um nervosismo, pois não conhecia direito todo o carro, suas manhas, afinal qualquer carro velho tem suas manhas que só o dono conhece. Se bem que não era tão velho assim, apenas 16 anos de uso. Enfim engatei uma primeira e fui, fui, fui até chegar em Campinas, próximo a Cassol onde ouvi uns roncos estranhos e carros buzinando atrás de mim, até que um senhor com um corcelzinho, aquele modelinho Ford corcel I me ultrapassou sinalizando com a mão de que deveria passar a marcha. Naquele instante percebi o meu equívoco e despreparo para conduzir o possante, mas não desanimei e fui até a minha casa. A vizinhança parou para ver euzinho ao volante do meu fusca 66 tentando ultrapassar a abertura improvisada que fizera no muro da minha residência. Depois de tantas manobras consegui colocar dentro do cercado e lá fiquei babando o carrinho.

No domingo tirei do cercado para treinar, pois a ansiedade não permitia esperar por algum professor voluntário disposto a me dar as primeiras lições de volante e trânsito. Tornou-se uma rotina, nos finais de semana saia a “queimar” gasolina no meu auto aprendizado. Até que numa sexta-feira acordei convicto de que iria trabalhar com o meu carrinho. Na época trabalhava em Barreiros, tinha de atravessar toda a BR 101 até chegar ao meu trabalho, passar na frente da oficina do DNER onde invariavelmente tinha carros da PRF estacionado no pátio, motivo para um temor de ser abordado. Vez ou outra esquecia que meu fusca não era diferente dos outros, tinha também 4 marchas, coisas de aprendiz. Nada aconteceu e a partir daquele dia tornou-se rotina, todas as sextas-feiras ir trabalhar de carro.

Certa feita num belo sábado de verão saí a passear com ele nos arredores do bairro Jardim Atlântico, naquela época se atravessava toda a rua Josué Di Bernardi até a avenida Atlântica direta, hoje tem-se um desvio. Ao descer a rua Josué Di Bernardi para chegar à avenida Atlântica existe uma subida. De acordo com a lei de trânsito, ela nos sugere parar quando existe uma transversal, sendo esta, a via preferencial, disto eu sabia e parei. Atrás de mim quase colado ao fusquinha para um Passat azul, se não me engano ano 76, olhando pelo retrovisor fiquei preocupado, parecia que estava adivinhando o que viria acontecer. A via ficou livre, engatei a primeira acelerei em vez do carro ir para frente foi para trás batendo no Passat azul com a rotação do motor na estratosfera. O nervosismo bateu, pois, além de “bater” no carro de trás não tinha carteira de motorista. O rapaz percebendo meu estado emocional disse que ficasse calmo porque nada houvera acontecido, simplesmente os carros haviam se beijado. A alta rotação do motor chamou sua atenção onde logo percebera o pedal do acelerador estar trancado, com uma puxadela colocou no lugar, agradeci sua ajuda conseguindo seguir o caminho até minha casa. Consultando um vizinho, motorista das antigas acostumado a dirigir os velhos e emblemáticos fenemês, para quem não conhece eram os antigos caminhões FNM, considerada a primeira fábrica nacional de veículos: Fábrica Nacional de Motores – FNM, também conhecidos como Alfa Romeo, pois esta marca italiana houvera licenciado a FNM em montar em terras tupiniquins seus caminhões muito populares na Itália. Explicara a ele o que acontecera com o acelerador, logo matara a charada me orientando a trocar aquele sistema de pedal pelo sistema mais moderno, o modelo do fusca 1300cc. Explicou-me que era normal acontecer isto pois tratava-se de um projeto obsoleto da VW. Os dois modelos eram compatíveis, porém com o novo modelo nunca mais iria me incomodar. Dito e feito, na segunda-feira comprei no ferro velho o novo sistema de pedal e nunca mais me incomodei até vende-lo no ano de 1984 para adquirir uma casa, pois estava pensando em me casar.

Nunca entendi por que o carrinho era vidrado numa vala, pois toda vez que se aproximava de um córrego o danado corria para dentro dele. Não sei se era falta de água em sua carcaça ou era doidinho mesmo, até hoje fico a pensar o que passava naquela cabecinha... mas deixa pra lá. Em contrapartida estava sempre a solicitar uma ajudinha para tirá-lo do buraco, melhor dizendo da vala, seja de quem estava me acompanhando ou mesmo um transeunte que estivesse passando naquele momento. Uma coisa é certa, nunca me deixaram em maus lençóis, sempre atenderam minha súplica. Carrinho manhoso, aquele.

Naqueles tempos com alguns resquícios tenebrosos de outrora, participava de um grupo de pensantes preocupados com a situação sócio-político do nosso país e num final de semana me responsabilizei em pegar no aeroporto um convidado que participaria de um debate na UFSC. Lá fui eu com meu fusquinha todo serelepe, afinal a criatura nunca estivera em nossa cidade e necessitava ser ciceroneado por algum manezinho e eu fora o escolhido. Após a devidas apresentações embarcamos no possante rumo à UFSC, porém algo me chamava a atenção pois os carros que vinham em direção contrária buzinavam, davam sinal de luz e eu sem nada entender. Eis que de repente percebi uma pequena luz azul sinalizando no painel, fato que até então não havia percebido em outros momentos. Fiquei encucado, porém continuei a viagem sem nada “entender”. Próximo da Carvoeira, o meu passageiro de uma forma meio discreta sem querer me “ofender”, ou mesmo tirando “sarro” da minha ingenuidade me questiona se aquela luz azul no painel não sinalizava farol alto, por isso as buzinadas e sinais de faróis recebidos até então. Eureca, descobri a pólvora, lembrei-me de quando estava faxinando o carro naquela manhã houvera acessado a tal luzinha azul sem perceber. O meu orgulho me levava a questioná-lo, mas a minha sensatez me fizera calar, afinal era só uma luzinha azul no painel.

Certo dia meu cunhado me convida irmos a Joinville visitar um parente, me empolguei e aceitei o convite. Numa manhã de sábado cedinho fomos nós três felizes da vida, sendo que minha irmã estava grávida de sua primeira filha. A rodovia ainda não era duplicada, o trânsito como sempre cheio de caminhões, automóveis, ônibus exigindo dos motoristas atenção e cuidado. Fora uma final de semana bacana. Conversamos, conhecemos novas pessoas, mas era hora de voltarmos para casa, o dever nos chamava. Pegamos a estrada, rodamos uns vinte quilômetros, numa leve subidinha formou-se uma fila de carretas me obrigando a reduzir a marcha daquele possante VW 1200cc. Percebendo a pista livre iniciei a ultrapassagem. No meio do caminho o motorista da carreta percebera que eu estava vencendo o percurso foi quando o infeliz acelerou me deixando numa situação embaraçosa, pois numa distância razoável surgira um caminhão vindo em minha direção, acelerei, acelerei obrigando o caminhão sair para o acostamento evitando um possível desastre de grande monta. Meu coração acelerou, até hoje percebo minha irresponsabilidade e ingenuidade diante dos fatos. Graças a Deus nosso anjo da guarda estava conosco naquele momento.

Neste fusquinha aprendi a dirigir, cresci, vivi momentos especiais, namorei... o tempo passara, novos projetos surgiram: vou me casar e com esta decisão foi preciso me desfazer do meu possante, pois necessitava adquirir uma casa. Vendi o fusquinha para outro amigo de infância, mas a saudade ficou por muito tempo em meu coração. Não sei se ainda existe o carrinho, porém as lembranças continuam a pipocar os meus neurônios. Afinal o primeiro fusca a gente nunca esquece. Ah! Se meu fusca falasse...

Valmir Vilmar de Sousa (Vevê) 11/07/20

valmir de sousa
Enviado por valmir de sousa em 20/07/2020
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