Panha de Café
Há muitos anos, durante as férias escolares, eu acompanhava meus pais na colheita do café. Os cafezais não eram nossos, meus pais apenas eram os trabalhadores rurais, empregados durante a safra. Naquele tempo não existiam os direitos trabalhistas para apanhadores de café, as pessoas apenas combinavam com os fazendeiros ou com os turmeiros e iam. Famílias inteiras trabalhavam na lavoura de café, inclusive as crianças. Eram levados de caminhão, nas carrocerias. Os fazendeiros mais caprichosos cobriam as carrocerias com uma lona e improvisavam bancos de madeira para os trabalhadores. Mas alguns não se preocupavam e os trabalhadores iam largados na carroceria, ao sabor do vento gelado de maio, junho e julho.
A panha de café era um alento para as finanças, precárias, das famílias pobres. Era época de fartura, de dinheiro toda sexta ou sábado. De compra de roupa nova, comida melhor na mesa e até de renovar alguns móveis da casa.
Meus pais gostavam de apanhar café. Minhas irmãs contavam que antes, quando eu era ainda muito pequena, meu pai conseguia uma casinha na colônia de alguma fazenda e levava a família inteira para morar lá durante a safra. Minha mãe não ia e ficava cuidando da casa, de mim e de minha irmã que era ainda pequena. Mas os outros, todos acima dos dez anos e entrando na adolescência, iam todos. Diziam que era um tempo sofrido, mas também divertido e cheio de histórias para contar. Eu só fui mesmo quando já era um pouco crescida e meu pai já não ficava mais nas casas das colônias. Íamos e voltávamos todos os dias, na carroceria do caminhão. Lembro-me de as vezes voltar dormindo no colo de minha mãe. Do escuro da lona e do cheiro de trabalhadores suados, cansados e sujos da lida.
Minha infância e adolescência foram assim, indo para a panha de café todos os anos, nas férias de julho. Quando menor, mais brincando do que trabalhando, dormindo nas sombras do cafezal. Correndo no meio das ruas, chupando os grãos de café maduros, fazendo casinhas nas leiras, colhendo florzinhas nativas. Adolescente e moça, ajudando a apanhar o café no aparador, abanando para limpar e ensacando.
Confesso que nunca fui muito boa no trabalho de colher o café. Gostava de ir para roça, andar de caminhão, passar o dia na lavoura. Mas viajava demais nos pensamentos, sonhava o dia inteiro, ora ouvindo rádio de pilha, que insistia em pendurar nos galhos dos pés de café, ora ouvindo os aviões passarem e olhando o céu azul, sonhando com um futuro maravilhoso. A hora de buscar água na bica era muito boa, era quando eu passeava pela lavoura, com o galão na mão, apreciando as flores do campo, o mugir das vacas ao longe, a paisagem bonita. Eu era uma sonhadora, e, à minha maneira, eu era feliz pelos cafezais aqui de Minas. Não achava aquela realidade dura, era uma oportunidade de sonhar e contemplar a natureza.
Aquelas sensações ficaram em mim. Sempre quando olho para o céu azul de julho, ou para uma lavoura de café, sinto a simplicidade de volta, o carinho dos meus pais, o sonho de um futuro maravilhoso.