UMA HISTÓRIA SEM FIM

UMA HISTÓRIA SEM FIM

A rua forrada de paralelepípedos, num bairro popular, nada escondia. Os muros que existiam eram baixos, as portas e janelas abertas, mostravam os interiores simples, mas sempre asseados. Além da zoeira das meninices, o som dominante era dos rádios e seus chiados. O mundo era pequeno, não passava de dois ou três quarteirões, a imaginação porém, era fértil, adubada pelas notícias e fofocas das senhoras em suas janelas e cadeiras nas calçadas. O cheiro de comida exalava-se a cada casa e a fome surgia a cada passo, ou ida, à venda do Seo Domingos, sempre acompanhado da indefectível caderneta.

As brincadeiras, todas na rua, eram, pelada (com gol caixote, ninguém queria jogar no gol); taco com bolinha de borracha e o taco de goiabeira feito com esmero, o alvo a lata de óleo herdada da mãe, considerada troféu; bolinha de gude no triângulo (o rapa sempre acabava em briga); espeto feito com vareta de guarda-chuva velho; pião que rachava ou era rachado; pipa que voava, sonhava bobagens e morria de medo de ser enroscada.

A escola, sempre pública, muito bem cuidada, professores dedicados e competentes, eram autoridades, pelo saber e pelo respeito que emanavam, um pio só se ouvia de quando em vez, aprendia-se de verdade e o maior medo era a repetência, sempre abominada pelos pais e motivo de galhofa pelos colegas (bulling?). O uniforme, camisa branca, calça curta azul marinho, meias três quartos e o fiel e quase indestrutível Passo Doble, sempre engraxado. O material, pouco e controlado, a pasta tinha que durar por todo o primário e quem sabe sobreviver ao ginásio, livros e cadernos encapados e identificados com letras caprichadas. Aprendia-se a gosto ou contragosto, não havia perdão para o não saber.

Presentes eram raríssimos e o sonho maior uma bola de capão para jogar e dormir abraçado, com o vira-latas ao lado.

A infância corria de casa para a rua, da rua para a escola, da escola para casa, de casa...

E era-se feliz, talvez como nunca.

Arnaldo Ferreira
Enviado por Arnaldo Ferreira em 20/07/2020
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